Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
junho de 2001
Bocas de ilusão
Quando se escreve sobre um determinado tema e se quer marcá-lo
para que o leitor possa fazer dele seu secreto escrito como se tivesse
brotado de sua alma e não da mente do escritor, tem que se ter sempre
um verso de Manuel Bandeira como meta: "O leitor satisfeito de si dar o
desespero".
Isso vale para qualquer manifestação que faça com
que os sentidos do leitor, do ouvinte ou mesmo do observador alcancem o
máximo indo além do ponto final da mensagem por ele absorvida.
Por exemplo, o cantor deve entoar um canto na medida exata em que o
ouvinte sinta n'alma e complete a emoção capturada daquela
mensagem, pois se ela ultrapassar o limite de emissão será
como afogá-lo não em suas próprias lágrimas,
mas sim nas do cantador.
Deve-se cantar a dor, não senti-la. Quem deve com o canto senti-la
é o ouvinte, que dela fará sua própria dor.
Com um escrito qualquer, sob qualquer forma, pode-se usar a negativa
da mensagem principal quando se quer na verdade afirmá-la para que
o leitor saiba em seu íntimo que se trata de uma afirmação
e sua concordância vá além daquela escrita. Torne-se
cúmplice do escritor. Aquela negativa é sua afirmação,
é sua verdade.
Alguns escritores descobriram esse mecanismo e o utilizam com maestria,
principalmente quando o leitor de si dá não só o desespero,
mas parte de sua alma, indo ao encontro do mistério, do medo, da
necessidade de buscar aquele lugar jamais visitado, jamais sonhado. O próprio
desconhecido.
É comum visitar a mente do escritor através de um livro
e se ter impressão que tudo aquilo existiu e se fez parte dela como
personagens vivos, com aquelas emoções e sentindo as mesmas
angustias ou felicidades ali escritas.
As contradições necessárias para um bom escrito
sempre devem existir, é o chamado ponto e contraponto. A afirmação
e a negativa, a felicidade e a tragédia, Deus e o diabo, céu
e inferno, assim por diante, pois essa é a história da humanidade.
Para se ter idéia de como um bom escrito deve ser, ele deve chegar
em ponto tal que o leitor, qualquer leitor, de acordo com suas crenças,
com sua cultura, com sua ideologia, percorra um caminho que ele não
gostaria de percorrer, pois se contrário for ele perderá
o interesse por aquela escrita.
Mas ao mesmo tempo ele se identifique de tal maneira com aquele escrito
que
intimamente ele diga: "é isso que eu queria dizer. É
isso que eu queria ter dito".
Por isso é mais fácil sentir através de um mecanismo
qualquer o que se quer sentir de fato, já que não haverá
necessidade de exposição ou correr qualquer risco na busca
daquela emoção ou daquele momento imaginado.
Alguns poetas com inigualável poder de síntese e através
de breve mensagem registraram todo o universo humano, fazendo com que seus
escritos se tornassem eternos e certamente alcançarão futuras
gerações.
Manuel Bandeira, por exemplo, assim imortalizou: "Andorinha lá
fora está dizendo: passei o dia à toa, à toa. Andorinha,
andorinha, minha cantiga é mais triste! Passei a vida à toa,
à toa".
Fernando Pessoa eternizou: "Tudo vale a pena, se a alma não é
pequena".
E o mestre Drummond perguntou e jamais alguém irá responder:
"E agora, José?"
O "agora" de Drummond pode se referir ao momento presente ou passado,
ou mesmo futuro, pois quando houver o inevitável encontro de todos
nós com nosso "verdadeiro Eu", a resposta poderá ser surpreendente.
E lá, talvez não sejamos amigos do rei.
Douglas Mondo |