Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
junho de 2001
Prezada Esther,
Sim, acender pirilampos, tomar da mão de Dylan Thomas ou percorrer
o escuro e úmido palácio de Hamlet. Tudo isso tem a
ver com as promessas do apagão e com a penumbra em que nos vimos
de repente forçados a ficar sob a pressão das ameaças
de corte e racionamento do FgagáCC. É impossível
ficar indiferente a tão súbita mudança em nosso "habitat".
À noite olho para o meu apartamento e me sinto um habitante de uma
tela de Rembrandt.
É prazeroso? Às vezes até que é, verdade
seja dita. Salvo alguns blecautes do meu tempo de infância,
nunca enfrentei tão constante escuridão. Por outro
lado, a idade adulta me permite algumas inevitáveis analogias e
reflexões que seriam impossíveis no meu tempo de infante.
Percebo com novos olhos movimentos estéticos a que admirei, mas
dos quais me sentia distanciado no tempo, como o Barroco e o Romantismo.
Sinto-me mais próximo como munca antes me senti de nossos irmãos
das longínquas cavernas, sem a existência dos quais por certo
não estaríamos aqui. Entendo melhor a angústia
dos fantasmas que perambulavam pelos castelos ingleses, uma vez que por
toda parte a luz se escondeu para permitir a entrada em cena do mistério.
Em alguns desses momentos penso que a escuridão em si talvez
nada mais seja do que a própria luz em estado de humildade, retendo
seu brilho para que estrelas e vaga-lumes possam ser percebidos pela nudez
dos olhos.
Abraços,
Ricardo Alfaya
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