Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
maio de 2001
TINTO
Três taças de vinho e
todas as mágoas sobem à tona.
Em silêncio, saudade, ciúme
e suor, eu me consumo.
Pela janela aberta da sala de jantar
a chuva afoga a natureza morta
em cima da mesa. E eu me desafago
nos versos que não escrevo
(entre a intenção e o gesto
há sempre o espaço do sonho e sua ousadia).
Se eu fosse cega, eu não daria
um passo sequer, nem de luz acesa.
Não sei andar sem a minha sombra.
Seria eternamente sonsa e zonza,
com medo de avançar o sinal
e pisar no rabo da gata,
no fundo do corredor.
Eu, assombração zanzando
pelos seus cantos secretos,
onde se escondem você e
suas ásperas diferenças.
Eu, que estou comendo sozinha
o pão que o diabo amassou.
Eu, logo eu, que sinto tanta sede.
Eu, que era doce e se acabou.
(Eu, que só queria ser
a sua coisinha à toa.)
Eu, o vinho, a chuva, o silêncio. E o suplício
da fumaça do cigarro sozinho no cinzeiro.
Eu, que fiz do coração, tripas.
Silvana Guimarães |