Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
maio de 2001
CADEIRA ELÉTRICA
Quando o governo federal apresentou o plano de racionamento de energia
elétrica para que - indistintamente - toda população
brasileira seja atingida pelas medidas ali anunciadas, na verdade propôs
um pacto social com objetivos de diminuição de consumo de
um determinado serviço público.
O plano seria perfeitamente legal se tivesse havido qualquer fato com
nexo de causalidade entre o imprevisível e a necessidade de diminuição
do fornecimento do citado serviço público.
Seria a chamada "Teoria da Imprevisibilidade". Quer dizer, o imprevisível
afetando o fornecimento do serviço de maneira tal que não
fosse possível seu conhecimento dentro da administração
do bem público.
Qualquer que seja o desdobramento do plano de racionamento pode-se afirmar
que o mesmo encontra-se eivado de ilegalidades, já que tal pacto
carece de sustentação jurídica na medida em que o
excesso de demanda acima da produção de energia elétrica
era perfeitamente previsível e de conhecimento da administração
pública.
Tanto assim, para que o exemplo seja o obvio a ser demonstrado, seria
a suposição de racionamento de energia elétrica por
conta da queda de meteorito no lago que abastece a Hidrelétrica
de Itaipu danificando suas turbinas. Quer dizer, haveria o nexo de causalidade
entre a imprevisível queda do meteorito e o corte de fornecimento
por conta de tal acontecimento.
Nos moldes apresentados pelo governo, temos que não houve a imprevisibilidade
do acontecimento, nem tampouco a responsabilidade da administração
pública quanto ao fato do racionamento, já que juridicamente
foi ele repassado ao consumidor final que tem agora que diminuir seu consumo
sob pena de dupla penalidade.
O contrato inicial entre a administração pública
e o consumidor de serviço publico, quer seja pessoa física
ou jurídica, tem como objeto a venda e compra de energia elétrica,
devidamente garantida pela concessionária de serviço público,
ao preço altamente elevado, e que foi rompido unilateralmente sem
sequer dar à parte mais fraca qualquer pré-aviso ou demonstração
de tal alteração.
A quebra das normas contratuais sem a aplicação da teoria
da imprevisibilidade, face sua ausência, enseja a busca da prestação
jurisdicional por parte do lesado, eis que não deu causa a qualquer
alteração das condições do fornecimento do
serviço público.
Cabe ao governo governar. É para isso que ele existe. A função
primordial do Estado é arrecadar - de forma justa - e distribuir
riquezas em serviços essenciais e qualquer desvio de finalidade
quanto à arrecadação e destinação das
verbas públicas cabe a ele o ônus da responsabilidade e má
aplicabilidade de tais recursos.
É sabido que o Estado só pode fazer aquilo que estiver
prescrito em lei, e contrato firmado entre ele e o consumidor através
de concessionária de serviço público não pode
ser rompido mediante força e ser-lhe impingido qualquer penalidade
pela má administração da coisa pública por
parte do próprio Estado. Isso fere direitos e garantias individuais.
Além do mais, aplicar dupla penalidade por descumprimento de
nova norma contratual, sem que haja o devido aceite por parte do consumidor
final do serviço público quebra todas as normas de direito,
já que coloca sobre ele novas condições não
acordadas e de difícil cumprimento.
Esse foi o plano de racionamento apresentado pelo governo federal. Repassou
ao consumidor o ônus de diminuição do consumo de energia
elétrica e ao mesmo tempo impingiu-lhe dupla penalidade em caso
de não atendimento à dita diminuição: pagamento
de multa e corte de energia por alguns dias.
Nada mais arbitrário e inconstitucional. Ou aceita-se o pacto
social arcando com os ônus da redução do consumo de
energia elétrica, ou paga-se mais pelo consumo a título de
multa e ainda corre-se o risco de ter cortado o fornecimento do aludido
serviço público.
A forma apresentada, em que pese suas falhas jurídicas, vem lastreada
na condição de ocorrerem os "apagões" de qualquer
jeito, já que o Estado não aplicou recursos na geração
de energia elétrica, nem tampouco na construção das
linhas de transmissão que abasteceria o sistema.
Com isso a responsabilidade dos "apagões" será do consumidor
final do serviço público, já que como parte do pacto
social não conseguiu cumprir o acordado na diminuição
de consumo, havendo então por parte do governo a utilização
de medidas mais sérias, como mandatário da administração
pública.
Nada mais autoritário. Nada mais Maquiavélico. Acabou-se
o Estado de Direito. Estamos todos mortos na cadeira elétrica do
governo.
Douglas Mondo |