Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
novembro de 2001
Vigília
Fecha a cortina, deixa a luz acesa e deita ao meu lado - é
o pedido quediariamente ela escuta, quando coloca a filha para
dormir. Algumas vezes, ela questiona os motivos que levam a menina
a fazer esses pedidos e, escuta, como resposta, uma lista de coisas
que dificilmente poderiam acontecer. Tentando tranquilizar a criança,
ela deita ao seu lado, acaricia seu rostinho e conversa.
Nunca lhe passou pela cabeça, dizer que, temer que o coelhinho
da Páscoa apareça para entregar os ovinhos pessoalmente,
é bobagem. Nem dizer que, é impossível, dar
de cara com o (verdadeiro) Papai Noel colocando os presentes debaixo
da árvore de Natal, mesmo que isso represente acompanhar
a menina ao banheiro várias vezes na véspera do
Natal. A menina tem uma lista de possibilidades inesgotável:
Papai Noel pode sentir vontade de ir ao banheiro, pode querer
variar e entrar pelo basculante, justo na hora que ela estiver
lá, etc
Algumas vezes, as perguntas da menina parecem não ter
resposta: "Saci existe?" "Fantasma existe?"
E a mãe, procurando ser sincera, lhe fala que não
conhece alguém que os tenha visto mas, se não existem
na realidade, eles podem existir na nossa imaginação.
Quando a filha dorme, a mãe apaga a luz e, deitada em seu
quarto, observa as sombras na parede, se mexendo ao sabor do vento
que move a cortina. A certeza de que são apenas sombras,
não acalma o seu coração. Acostumado as noites
de vigília na infância em que, atenta, ela esperava
o dia amanhecer e as sombras sumirem, a simples lembrança
o descontrola.
Quando casou, ela pensou que, ter ao seu lado o marido dormindo,
lhe traria a tão sonhada tranqüilidade. Que engano!
Quando se deitava, era comum que ele já estivesse dormindo.
Se acordado, conversar lhe dava sono. Nem mesmo a possibilidade
de namorar o mantinha acordado, ele argumentava que, era desnecessário,
já que haviam casado. O sexo o mantinha acordado, mas só
enquanto durava. E, as noites de insônia continuaram, até
o nascimento da filha. A única pessoa que compreende seus
medos e, ela tranquiliza com carinho, como gostaria de ter sido
tranquilizada na infância.
Lenise Resende
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