Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
novembro de 2001
Crença
A manhã sempre passava rápido demais e, após
o almoço, ela se vestia para sair. Morava na cidade mas,
em lugar tão distante que, muitas vezes, pensava em sua
casa, como se fosse um sítio. Acordava ouvindo pássaros
e à noite, ouvia os sons do silêncio: as fôlhas
das árvores mexendo-se com o vento, os passos do cachorro
no quintal...
Para ir à análise, o compromisso que a fazia sair
todas as tardes, primeiro descia uma ladeira bem íngreme.
Apanhava, então, um ônibus que a levava à
estação do metrô. E, de metrô, ia até
o ponto final de outro ônibus. Após pegar três
conduções, chegava ao consultório e, sentava-se,
para esperar por tempo indeterminado. Pontual, ela sempre chegava
cedo, porém, a consulta nunca acontecia no horário
previsto - o analista sempre se atrasava. Ao seu lado, sempre
havia pessoas reclamando do atraso, mas, ela continuava lendo
o jornal do dia ou alguma revista, sem se alterar.
Quando, enfim, era chamada, cumprimentava o analista e deitava-se
no divã. As palavras chegavam até sua garganta,
mas, nenhum som era ouvido e, durante quarenta e cinco minutos,
ela chorava em silêncio. A dor que sentia, era tão
forte que, ao voltar para casa, continuava chorando. Trocava de
conduções automaticamente, subia a íngreme
ladeira e, após chegar em casa, durante algumas horas,
continuava alheia ao que acontecia à sua volta. A dor demorava
a passar. Só no final da noite, ela conseguia trabalhar
e, muitas vezes, quando o dia amanhecia, é que ia dormir.
Ela nunca faltava as consultas e, não perdia a esperança
que, um dia, a dor abrandasse e lhe deixasse falar. E, aguardando
esse dia, continuava indo à análise, o compromisso
que a fazia sair todas as tardes.
Lenise Resende
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