Dolores

— Ai, caramba! que dor nos quartos!
— Mulher de Deus, vá mais devagar.
Dolores corria pela ruazinha estreita. Estava atrasada. Atrasadíssima. O sol, naquela dia, resolvera dar o ar da graça e brilho, castigando cruelmente as pedras do calçamento.
Suavam em bicas, as duas mulheres. Dolores seguia a frente, empinando uma barriga de oito meses. Sob o vestido de bolinhas brancas, justo e decotado, entreviam-se maravilhosos; o umbigo estufado e os peitos cheios de leite. A enorme trança negra agitava-se ao passo apressado da morena. Logo atrás de Dolores, uma chica aflita e miúda de seus vinte anos, tentava seguir-lhe os passos. Aninha, companheira inseparável, tinha cuidados de filha com a amiga, que já não era tão jovem, mas mesmo assim teimara em levar adiante aquela gravidez tardia.
E quem podia com Dolores? Ninguém.
Da boca carnuda, não lhe saiam somente risos, sussurros e gemidos, fartamente distribuídos entre os fregueses da casa de madame. Que não lhe tirassem do sério. Insistira em trabalhar, mesmo prenhe. Madame fora firme dessa vez:
— Sem discussão, Dolores. Continuas a dar as aulas de dança às meninas. E só isso. Clientela só depois que parir.
Chegaram atrasadas à Igreja. Os alunos do curso de medicina já estavam enfileirados dando início ao cortejo de entrada. Durante toda a cerimônia
Dolores chorou, e entre uma fisgada e outra, de dor no baixo ventre, assoava o nariz com estardalhaço em um lencinho bordado. Olhava aqueles meninos e meninas com ternura e uma certa pena. Tão novos e bonitos. O que sabiam da vida?
— Mamãe! Não tens juízo mesmo, debaixo desse sol e com essa barriga.
— Filho! Filho! como é lindo meu doutor.
— Mãe, tenho que tirar as fotos...
— Sim filho... vá, vá. Antes, pegue aqui teu presente.
Esperou o jovem se afastar e fazendo uma careta de dor, olhou desesperada para Aninha.
— Dolores, Santo Deus, com tanto médico aqui... você não acha...
— Quieta menina, quero somente teu braço pra me apoiar.
Deram-se as mãos e saindo da Igreja, apressaram o passo em direção ao centro da cidade.
Dolores,... Mulher tinhosa.

Mariza Lourenço