Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
outubro de 2001
Não quero deixar de viver...
Sei que durante muito tempo o espectro tenebroso do desastre
americano rondará nossa memória e ficamos amargurados
ao saber que parte dos escombros ainda estão lá
e que algumas pessoas que não são normais enalteceram
o fato. Sim, não podem ser normais, e lamentamos que exista
no mundo tanta insanidade.
O mundo inteiro está desesperado na incerteza de uma guerra
sabe-se lá exatamente contra quem, tendo como princípio
que terroristas não tem uma nacionalidade própria.
E também com o coração tumultuado vendo que
muitos muçulmanos inocentes, pelo simples fato de pertencer
a uma mesma raça, donde parece ter saído o terrorista
apontado, estão sendo injustamente hostilizados.
O medo desenfreado, a insegurança, a desesperança
por um mundo melhor, a incerteza de um lugar seguro, já
que os Estados Unidos, que oferecia essas condições,
foi barbaramente atacado, ultrajado e brutalizado, nos dão
uma sensação de que não estaremos estáveis
em lugar algum.
Não vou discutir aqui os aspectos políticos e estratégicos
que podem levar o mundo a uma guerra. Não quero discutir
se os americanos foram vítimas de seu próprio comércio
fornecendo armas potentes a outros povos. O que quero falar é
sobre nossos sentimentos e sua imensa complexidade em que estou
mais autorizada a penetrar e expor.
Não quero temer acordar, levantar, andar, aspirar o ar
doce e leve da manhã, apreciar as flores e o encanto da
natureza, viver prazerosamente, dando valor às pequenas
alegrias que nos cercam e amar com todas as forças do meu
ser.
Não quero deixar de lutar por um mundo melhor, mesmo que
jamais ele se apresente, nem de acreditar nas sensações
de nosso mundo interior, deixar de crer na bondade e no companheirismo,
em gestos desprendidos e generosos e na vivência de cada
dia que pode ser frio e escuro ou esplendoroso e cheio de luz.
Não quero deixar de viver!
Enquanto as folhas balançarem em ritmo de vida;
Enquanto horizonte parecer belo e misterioso, muito fulgurante
carregando e deixando que sonhemos;
Enquanto puder trocar carícias de amor, demonstrar e receber
toda a força da paixão envolvendo, apaziguando meu
corpo e suavizando minha alma;
Enquanto meus olhos brilhantes forem o reflexo de outros também
cheios de vivacidade e entusiasmo;
Enquanto puder entender a expressão de vida em cada companheiro
ao meu lado;
Enquanto palavras como ternura, doçura e amor existirem,
não posso deixar de viver.
Sei que existe motivo variado e profundo para não enxergar
todo o mistério da vida, para chorar pelo egoísmo,
a vaidade desmedida, a inveja, a violência perturbadora
que envolve o planeta, mas precisamos crer que assim como as trevas
densas consomem parte da alma, existem até por uma lei
natural dos contrastes, o desprendimento, a parceria na felicidade,
a munificência, a dedicação e a paz que habitam
milhares de seres humanos e que permeiam nossa vida e o mundo
em que habitamos.
Não quero deixar de viver, porque essa é a razão
primeira para a qual nascemos e viver é sentir os eflúvios
que se desprendem de cada um de nós, independente, de cor,
religião, raça, importância ou temperamentos,
e para isso estamos aqui hoje, nesse momento tão difícil
em que nossos sentimentos se dividem entre a alegria que deveria
ser a principal sensação das criaturas e a desconfiança
por tudo que nos cerca.
Não quero deixar de viver ainda que o desespero nos domine
e certamente encontrarei no simples "viver" a razão
primária e fecunda para nos livrarmos do temor que essa
opressão de violência nos faz sentir. E na entrega
simples, coerente e humana aos sentimentos mais básicos
estaremos preparados, na certeza que a violência é
um disfunção existencial e passageira, para caminhar
e à luz do sol podermos enxergar cada pessoa com potencialidades
que admiramos e com a qual queremos nos enriquecer, incluindo
os mistérios de uma natureza que energeticamente nos alimenta.
Não quero deixar de viver... E de compreender que acima
de nossas vaidades pessoais e incoerências, fruto de um
individualismo exagerado, encontraremos na imagem de cada uma
das pessoas com a qual convivemos, a força que será
a razão para prosseguirmos. E o faremos por nós
mesmos porque só assim entenderemos a razão de cada
passo e aprenderemos a existir sem a neurose estarrecedora do
medo que nos subjuga cruelmente.
Não quero deixar de viver...
Vânia Moreira Diniz
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