Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
outubro de 2001
A Águia e o Leão
A águia lançou-se sobre a presa, invocando antiga
lei infernal olho por olho, dente por dente no afã
de trazer sob suas garras a carcaça da velha cultura para
destroçá-la perante outros bichos, como demonstração
de seu poder imperial.
Num erro fatal, esqueceu-se a águia de que na cidade dos
bichos não há vingança, não há
tortura nem crueldade, apenas mata-se para saciar a fome, sem
credo nem esperança.
A vítima, um leão da montanha, colocou-se sob as
garras da águia, não para ser morta, mas para enganá-la.
Ardilosamente para mostrar aos outros bichos a crueldade daquela
ave de rapina, que pouco se importa com as vidas naquela floresta,
como se fossem dejetos de latrina.
Mais uma vez a águia cometeu um erro de avaliação,
pois se esqueceu que na cidade dos bichos não há
poluição, não há torres do templo
nem dinheiro-de-ocasião, apenas espécies animais,
soltas e livres da corrupção.
E o sonho de liberdade duradoura mostrou na densa floresta, negra
como a noite, a alma intolerante da velha águia, que acompanhada
por outras aves de rapina organizou um ataque fulminante a todos
os bichos, sequiosas por sangue e determinadas a impor sua doutrina
dominante.
Seguiu-se uma batalha infernal. Aos poucos alguns bichos que
se ajoelhavam perante o poder das aves de rapina foram se entreolhando
e num gesto animal, lançaram-se sobre as águias
mostrando que na cidade dos bichos come-se para matar a fome,
não para levar o mundo ao juízo final.
Na cidade dos bichos, onde antes havia a liberdade das cores
com o verde pintando o balançar das folhas com seus ares
de inocência; o negro mostrando a segurança das cavernas
a seus animais de olhos grandes; o azul dos mares beijando as
terras férteis das belas vivências, hoje o vermelho
do poder da petulância destrói ninhos e mata inocentes
filhotes que jamais viverão além da pouca infância.
A poderosa águia manchou de vergonha toda existência.
De repente, num lance genial, o velho leão mostrou sua
face angelical e entregando-se ao poder das aves fez um discurso
triunfal:
"Entrego-me ao poder das águias. Não o faço
por medo ou por temor. Entrego-me para livrar o mundo dos bichos
de tamanho terror. Não quero ver nossos filhos morrendo
à míngua sem água ou comida, rastejando como
vermes aos pés das águias com seu ódio e
pouco amor. Reconheço meu erro, de querer liberdade ao
nosso território, com direito à vida, sem ter que
me ajoelhar ao seu oratório de fervor. Reconheço
meus sonhos de igualdade por uma cidade dos bichos com lealdade
mantida, sem vítima nem predador. Eu errei, mas o fiz por
todos os bichos e se mal causei, estou pronto para pagar por meus
atos perante a justiça de todos os animais. Se as águias
quiserem meu corpo e meus símbolos, os entrego com humildade
e por meus erros pagarei. Se mereço morrer, morrerei."
Num gesto inusitado, a mostrar-se nu perante o poder das águias
que jamais respeitaram a igualdade, muito menos a liberdade ou
a fraternidade, o velho leão, agora calado, começou
a cortar sua juba, deixando à mostra sua face de muita
mocidade.
Os outros bichos, vendo seu orgulho milenar agora prostrado,
ajoelharam-se perante as águias e imitando o velho leão
começaram também a jogar aos pés das aves
de rapina todos seus símbolos sagrados.
As águias, atordoadas, alcançaram os céus
num vôo e formação em compreenderam que o
planeta é maior que qualquer poder de dominação.
Entenderam finalmente que a morte nunca é justiça
a aplacar a dor do coração.
Agora, na cidade dos bichos não há mais reis nem
súditos emirados, apenas bichos livres das amarras do poder
irado, todos caminhando juntos em direção a uma
nova ordem mundial: Todos irmãos vivendo num paraíso
social, onde a vida é a maior dádiva do universo
celestial.
Douglas Mondo
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