Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
outubro de 2001
Marcelo Augusto
Marcelo Augusto era o bam-bam-bam da Faculdade de Comunicação.
Bonito, gostoso e cheio de músculos, usava calça
jeans apertada e camiseta modelo "mamãe sou forte".
As meninas eram doidas por ele. Os meninos morriam de inveja e
os professores, não sei porque cargas d'água, só
lhe davam notas altas.
Marcelo Augusto tinha um Fiat 147, amarelo-ovo, o qual, fazia
questão de manter sempre cheiroso e polido; Quando ouvíamos
o barulho daquele motor-enceradeira, avisando-nos da sua chegada,
sim, pois ele se recusava a equipar o carro com buzina, ficávamos
excitadas. Até eu, noiva, de casamento marcado, suspirava,
cantarolando baixinho a música da moda... "it's raining
again".
Marcelo Augusto flertava com todas e não namorava nenhuma,
o que nos dava a sensação, falsa, naturalmente,
de que haveria sempre a possibilidade de sermos as escolhidas.
Estratégia inteligente daquele moço cheio de si.
Ele sabia que era bonito e ao contrário dos outros rapazes,
extremamente seguro de suas qualidades e, mesmo que lhe faltasse
alguma, as que ele já possuía, tratava de supervalorizar,
desviando as atenções de seus defeitos. Ora! sinceramente,
jovens que éramos, afoitas e sem compromisso imediato com
o futuro, só queríamos saber de namorar.
Tínhamos, cada qual, nossas preferências; eu adorava
homens de ombros largos, Maria Lúcia morria por uma tatuagem
e Stela se "amarrava" em olhos verdes. Mas de uma coisa
não abríamos mão; o namorado, fosse ou não,
uma porta, tinha que chamar atenção, provocar inveja.
Besteiras adolescentes que fomos perdendo com o passar dos anos,
mas que à época, eram importantes e faziam a diferença.
Desnecessário dizer que meu noivo ao perceber o meu assanhamento,
resolveu antecipar as núpcias.
A faculdade ou eu...
Marcelo Augusto ganhou a parada, digo, a faculdade saiu vencedora.
Na verdade, me desvencilhar daquele compromisso foi a decisão
mais responsável que eu poderia ter tomado. Era ainda muito
sedenta e um casamento, certamente, limitaria meus horizontes.
Livre, leve e pronta pra voar, tratei de aproveitar aqueles que
foram os melhores anos da minha vida. Saí com Marcelo Augusto,
paquerei, beijei, cortejei, sofri horrores, e fui muito feliz.
Naquele tempo não tínhamos a AIDS e suas conseqüências
devastadoras. Fazíamos sexo com relativa tranqüilidade,
sem a paranóia absurda de investigarmos as preferências
sexuais dos nossos parceiros. A camisinha, usávamos sim,
mas como forma de evitarmos uma gravidez indesejada. No mais,
tudo era motivo pra comemoração. Curti minha juventude
fora de casa. Saíamos aos bandos, de quinta a domingo,
para cinemas, teatros, bares, boates. A Internet - instrumento
poderoso de comunicação, mas limitador de contatos
reais - existia somente como embrião e por isso mesmo,
talvez, as nossas vidas fossem mais saudáveis e com parâmetros
de comportamentos mais definidos.
O Senhor tempo, implacável para com aqueles que sonham
com a juventude eterna, rapidamente levou embora aqueles dias
de despreocupada alegria. Tudo mudou, cada um tomou seu rumo e
foi cuidar da própria vida e, exceto por um ou outro encontro
casual, a maioria daqueles jovens sumiu do meu mapa. E confesso
que, vez por outra, ao olhar-me no espelho, observo que até
mesmo a menina Mariza foi embora.
Mas de surpresas boas também se vive e uma das maiores
veio meses atrás, quando ao sair de uma audiência
dei de cara com Marcelo Augusto, que estava ali aguardando para
prestar depoimento como testemunha. Reconheceu-me primeiro e eu,
decepcionada ao ver meu fetiche juvenil, tão mudado, tão
senhor e com uma barriguinha saliente, fiquei muda. Só
consegui me recuperar quando aquelas mãos conhecidas me
acariciaram o rosto, num gesto espontâneo de extremo carinho.
Não resisti, menti descaradamente:
Marcelo Augusto, você não mudou nadinha!
O sorriso que recebi de volta foi um presente e tanto. E que Deus
não levasse a ferro e fogo aquela pequena mentira. Estava
homenageando meu passado, ora pois!
Mariza Lourenço
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