Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em  setembro de 2001

A Cerimônia

Quando na semana passada, minha filha pediu-me detalhes da cerimônia do meu casamento, olhei-a com a cara mais imbecil desse mundo, como se aquilo não fosse comigo. Naquele momento várias imagens desfilaram a minha frente, todas de filmes ou peças de teatro: Quatro Casamentos e um Funeral, Cerimônia de Casamento (grande Altman), Vestido de Noiva e por ai, vai,... mas do meu casamento; lembranças,... nenhuma e a não ser por algumas cenas esparsas, nada me vinha de concreto para dizer a minha menina.
— Credo, mãe. Foi tão ruim, assim?
Rimos bastante e já relaxada, deixei que meu pensamento fluisse e, então lembrei de papai me enfiando, garganta abaixo, um cálice de licor, só porque tive um "chilique" e joguei o bouquet de noiva ao chão, ameaçando um desmaio.
— Eu disse que essa menina não estava preparada, não disse? Filha, olha, a Igreja está lotada, o noivo parece um boneco de cera e a sua sogra já está rindo de canto de boca, mas,... mesmo assim, ainda dá tempo, viu? é só entrar no carro. O resto, é comigo...
— Ô pai. Tem dó! Quer piorar tudo?
— Filha, você é muito nova...
— Paiê, daqui a cinco anos serei uma respeitável solteirona. Deixa eu entrar logo nessa Igreja. Arrematei.
Meu irmão, que a tudo ouvira calado até então, interviu:
— Pai, não insista... se ela quer fazer a burrada...
— Você também, Junior?
— Nunca pensei que fosse ter uma filha separada em casa...
— Papai, eu ainda nem casei!
A essa altura, a daminha de honra — irmã do noivo — já nos olhava horrorizada, enquanto meu pai e irmão discutiam sobre os malefícios do casamento e eu despetalava o bouquet. Até que decidi dar um basta ao dramalhão e pedi que abrissem as portas da Igreja. A hora era aquela, se eu tivesse que esperar mais um minuto, cairia em tentação e fugiria.
Papai, desconsolado, deu-me o braço e caminhamos pela Nave ao som da Marcha Nupcial. Meu noivo estava um 'gato', minha sogra com cara de enterro e essa, juro, foi a melhor parte da cerimônia.
Quando meu futuro marido me recebeu no altar, percebi que papai chorava.
Não resisti e o abracei longamente, dizendo-lhe ao ouvido que não se preocupasse, que tudo daria certo.
Retornei à casa paterna ano e meio depois... com uma filhinha no colo e os sonhos — todos eles — enfiados dentro do saco.

Mariza Lourenço

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