Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
setembro de 2001
Juventude sem lar
Em uma pequena cidade do interior de Minas, denominada Campos
Verdes, havia uma família bastante laboriosa, que possuía
uma padaria e dali tirava o seu sustento atendendo a toda a população,
urbana e rural.
Joaquim levantava muito cedo para conseguir dar conta de seus
trabalhos, sempre acompanhado da D.Eulália que orientava
dois empregados na fabricação de saborosas variedades
de massas que mais tarde iam para o balcão. Possuíam
um filho de aproximadamente quinze anos, o Mauro, que ia para
a única escola do município e cursava o grau básico.
Usava uma bicicleta antiga, mas que ajudava bastante. As suas
aulas eram matutinas e após o almoço, ia para a
padaria ajudar os seus pais.
Certo dia, o Joaquim e D. Eulália viajaram para uma cidade
próxima para comprar a farinha de trigo de que necessitavam.
Foram de ônibus. Saíram cedo e deveriam retornar
à noite.
Nesse dia o Mauro não foi às aulas, pois teria que
passar o dia na padaria. Atendia os seus fregueses e ainda dava
assistência aos empregados. Mauro estava muito preocupado,
pois o ônibus não chegara no horário e não
tinha notícias de seus pais.
Telefonou para a estação rodoviária e a empresa
não lhe deu notícia alguma, apenas que o ônibus
estava atrasado.
Mauro fechou o caixa, dispensou os empregados e fechou a padaria,
indo em seguida para casa.
Estava próximo de casa quando escutou o telefone tocar.
Foi correndo atender. Era tio Pedro que residia na cidade onde
seus pais estavam. Ele lhe contou que havia ocorrido um acidente
com o ônibus e os seus pais estavam no hospital da cidade
sendo observados, pois seus pais ficaram bastante machucados.
O tio Pedro disse ao Mauro que o aguardasse, pois ele estava indo
para Campos Verdes com a sua tia Maria. O Mauro ficou muito assustado,
porém, lhe falou que os aguardaria. Foi à cozinha,
esquentou as sobras do almoço e foi ver televisão,
aguardando os seus tios que deveriam chegar a qualquer momento.
Eram 23:00 h. quando os seus tios chegaram. Entraram e foram para
a sala conversar.
O tio Pedro tomou a palavra e com muito jeito contou ao Mauro,
que os seus pais haviam falecido. A reação do Mauro
foi totalmente diferente do normal. Não chorou, nada falou,
os olhos ficaram marejados e perguntou quando os seus corpos chegariam
a Campos Verdes.
Estão sendo preparados pelo Hospital que os irá
liberar no dia seguinte. Nós viemos para tomar as providências
para o sepultamento. Após, deveremos estudar como vão
ficar os negócios, você, a escola.
Bem, disse o tio Pedro; vamos dormir, já é tarde
e amanhã teremos muito a fazer. Ficaremos no quarto de
hóspedes, se você não se importar. Amanhã
cedo, a sua tia Maria vai preparar o café. A padaria não
vai abrir. Vamos colocar o aviso na rádio local, bem cedo
e assim, todos na cidade estarão preparados quando os corpos
chegarem, o que aconteceu por volta do meio dia. Os corpos foram
para o necrotério municipal onde ficaram expostos à
visitação pública até às quinze
horas, quando foram para o cemitério e sepultados.
Marcos acompanhava tudo, provavelmente em estado de choque, pois
não derramou uma lágrima sequer e nada falou. Encerrada
a cerimônia, os visitantes foram se retirando, ficando para
o final, apenas os tios Pedro e Maria, que foram para casa. Marcos
já estava em casa, em seu quarto. Sentado na cama e com
a cabeça apoiada nas mãos, meditava como iria ser
a sua vida daí em diante. Com a chegada dos tios, Marcos
falou que não iria mais ficar naquela casa e nem naquela
cidade. A escola ele já a esquecera. Nunca mais.
Os seus tios tentaram demovê-lo dessa idéia, mas
foi em vão. Marcos iria partir para a cidade grande. Pediu
aos tios um pouco de dinheiro, pois o caixa já estava feito,
pegou algum alimento na padaria e o ônibus, levando apenas
uma pequena mochila com algumas peças de roupa. Os tios
resolveram não impedi-lo, pois tinham a certeza que essa
decisão era passageira. Deram-lhe a sua benção
e Marcos partiu.
Ao chegar à cidade grande, andou próximo à
estação rodoviária, tomou um café
e descobriu uma pousada, muito sem conforto, para passar a noite.
Na pousada, sentado em sua cama, ficou com o rosto apoiado nas
mãos, só que desta vez, chorou. Descarregou todo
o sentimento que se encontrava incubado o tempo todo e concluiu,
que a vida para ele acabara. Daí em diante, o que viesse
e acontecesse, fazia parte deste quadro lastimável. Mais
tarde na noite, Marcos lavou o rosto e saiu em direção
à estação rodoviária, onde encontrou
um ex-colega de escola que estava zanzando pela cidade. Abraçaram-se
e sentaram em um banco, onde Marcos contou-lhe tudo o que havia
acontecido. O seu colega Valmir,escutou e disse-lhe que não
se preocupasse, pois ele não ficaria desamparado. Levou
Marcos para a sua casa e o instalou em seu próprio quarto.
Valmir vivia apenas com a sua mãe, que já se encontrava
doente. O seu pai os abandonara à cinco anos atrás.
Viviam da parca aposentadoria da mãe, que era costureira.
Chegaram em casa, Valmir falou com sua mãe e ela concordou
com a presença do Marcos em sua casa, pois conhecera bastante
os pais dele. Era gente muito boa e nessa situação
não poderia deixar o rapaz ao léu.
Os dois rapazes saíram, voltaram para as imediações
da estação rodoviária, tomaram um café
no bar próximo.
Valmir observando a tristeza do Marcos, falou-lhe: Marcos,vamos
acabar com essa tristeza toda. É muito fácil. Eu
tenho um remédio aqui comigo que vai resolver toda a sua
tristeza e lhe dar mais alegria.
Saíram da estação, foram para um local ermo
onde ninguém transitava e havia um banco de cimento. Sentaram-se
e Valmir tirou do bolso da jaqueta dois cigarros. Acendeu-os e
deu um ao Marcos. Quando este deu a sua primeira puxada de fumaça,
já notou algo estranho. Ficou um pouco tonto, mas a tristeza
já estava indo embora. Marcos gostou e o colega informou
que iria arranjar mais para os dois, pois com o "remédio",
a vida era mais amena. Saíram desse local e voltaram para
o bar, onde tomaram cerveja. Já era tarde. Voltaram ao
local, fumaram mais dois cigarros e foram para a casa. Entraram,
tomaram água e foram para o quarto, onde se apagaram.
No dia seguinte, ambos se levantaram às dez horas da manhã,
tomaram um café que a mãe do Valmir havia preparado
e saíram ambos para a escola. A escola era apenas um ponto
de encontro com duas mocinhas, estudantes de classe média
alta, mas que faziam parte de um grupo, onde só se pensava
em "alegria" e nada mais. O "combustível"
para elas era fácil, pois tinham dinheiro, veículos
e necessitavam apenas de companhias. O Valmir já havia
saído com elas várias vezes e agora levava o Marcos,
para conhece-las. Não faziam outra coisa a não ser
matar aulas, muito embora, os seus pais, abastados empresários,
nunca tinham tempo para acompanhar as filhas e nunca sabiam o
que estava ocorrendo com elas. Carina e Margot eram os seus nomes.
Encontraram-se na porta do colégio e Valmir as apresentou
ao Marcos.
Para comemorar esse encontro, Carina foi buscar o seu carro no
estacionamento e foram passear. A Carina foi com o Vilmar e a
Margot, com o Marcos. Saíram em grande disparada e foram
para um local onde ninguém iria importuna-los, sempre em
alta velocidade. Passaram pelo barzinho de costume, onde já
eram conhecidos e pegaram uma embalagem com uma dúzia de
latas de cerveja. Os cigarros da alegria, já estavam com
o grupo.
Ao chegar, colocaram o veículo em um lugar discreto, sentaram-se
à sombra de uma frondosa árvore e começaram
a acender os cigarros. Lá ficaram bastante tempo deleitando
aquela estranha sensação de prazer que a droga produz.
Tomaram toda a cerveja que haviam levado.
Vilmar então, já bastante alterado, sugeriu aos
companheiros que fossem fazer um "racha" com o carro
da Carina, idéia esta que foi aceita pelos outros.
Entraram no veículo e largaram em grande disparada pela
estrada fora do asfalto. O terreno era muito acidentado e sinuoso,
com estrada estreita e muito poeirenta, além de ser de
elevada altitude. Em uma curva, Carina não conseguiu completá-la
e o veículo derrapou, precipitando-se ladeira abaixo. O
veículo caiu de uma altura de aproximadamente setenta metros,
fazendo acrobacias no ar. Ao tocar o solo, explodiu. Ninguém
escapou.
O barulho do acidente chamou a atenção da população
que vivia nas redondezas. Muitas pessoas correram para o local
tentando encontrar alguém com vida. Foi em vão.
Imediatamente telefonaram para a Delegacia de Polícia comunicando
a catástrofe. O fogo já havia destruído tudo
do veículo. Nada mais restava a fazer, a não ser,
retirar os corpos já carbonizados e fazer os reconhecimentos.
A Polícia comunicou o fato aos respectivos pais, pois o
dono do barzinho os reconhecera e depôs, confirmando a presença
dos quatro estudantes.
A mãe do Valmir teve que ser encaminhada para o hospital
da cidade. Começou a passar mal tão logo tomou conhecimento
do acontecido. Os tios do Marcos foram até o hospital,
pois todos haviam sido encaminhados para lá, mesmo por
causa do reconhecimento. Confirmaram. Os empresários pais
da Carina e da Margot,foram avisados em suas empresas e seguiram
também para o hospital. O veículo da Carina, apesar
de carbonizado, foi reconhecido pelo pai dela.
Era mesmo da sua filha. A tragédia estava completa. Nada
mais a fazer.
Os corpos foram colocados nos respectivos caixões e encaminhados
para o necrotério municipal. Iriam continuar juntos.
A lição que se tira de um fato como este, tão
corriqueiro nos dias de hoje, é que o crime não
compensa. Faltou um lar para estes jovens. Não adianta
dinheiro e status. Filhos abandonados, não são apenas
os "meninos de rua", não. Não existe uma
estrutura familiar em que os pais acompanhem o dia-a-dia de seus
filhos. Não existe o diálogo. A ociosidade dá
margens a casos como estes. Infelizmente, este problema está
se tornando sem solução. Depois de certa faixa etária,
nem os próprios pais conseguem mais orientar os seus filhos.
A tendência, é o caminho da marginalidade, pois o
"combustível" tem um preço que muitas
vezes, os seus consumidores se vêem obrigados a praticar
uma série de delitos, para satisfazer as suas necessidades,
que a esta altura já são física e psíquica.
Este estado de coisas, exige muita reflexão de toda uma
sociedade, Governos, ONGs e outros grupos.
Essas vidas são muito caras e estão se perdendo
bueiro abaixo. È triste, mas é a realidade.
Alberto Metello Neves
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