Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
setembro de 2001
XIFÓPAGOS
Mil anos se passaram até que, definitivamente, perceberam
as pupilas dilatadas. Lentos, perdiam tempo driblando a sombra
alheia. Cessa. O que passou, passou. O desfecho se aclara, na
garganta do ser de duas cabeças:
"Reunidos: alma na alma, corpo no corpo, um pouco apertados,
mas não importa. As pupilas cintilam, e é mais do
que tocar estes mamilos que me pertencem. Meu nome, teu nome,
etc., etc., e quero eu, cabeça primeira, beijar-te até
profunda asfixia. Um milênio transcorrido e aqui nos encontramos,
xifópagos plenos do amor maior. Meu nome, teu nome, etc.,
etc., com desculpas pela demora. Não havia notado como
fomos feitos um para o outro. Seus olhos ofuscam de tanto brilho.
Sua boca enorme quer tragar meu espírito. Mas meu caro,
ele corre nas tuas veias, como veneno de cobra do Éden...um
belo dia, seus beijos farão com que eu, cabeça segunda,
morra pelo meu próprio veneno. Amo-te. Durma bem. Amanhã,
eu quem lavo as axilas."
E passaram mais mil anos, até que o corpo do amor pleno
pôde, corcunda, moribundo, recostar-se na pedra coberta
de limo:
"Adeus, adeus - falava em uníssono - partiremos para
o altiplano, deitados na fôrma d'água do desejo.
Adeus, adeus".
E o corpo partiu-se ao meio, fluido, tranqüilo, dois gumes
lado a lado, mãos dadas, olhos vidrados. Um leve olor de
enxofre, mesclado a aromas de alfazema. Um raio atravessou o céu,
e a terra se encarregou de tragar os restos. A ave pousou, tornando-se
estátua do túmulo 10.
Rodolfo Dantas |