Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em  fevereiro de 2002

In Memoriam

Sem esperança que alguém lesse seus escritos, resolveu lançá-los ao vento... ou melhor, na internet. Aprendeu a digitar, com muito esfôrço, no computador do filho e, foi enviando colaborações, pra sites de poesia. Quando aceitaram o primeiro poema e ela o viu tão bonitinho, formatado, com midi e até formulário para envio aos amigos, seu coração disparou. Com o tempo, se acostumou a ver seus poemas acompanhados por belas imagens e midis. Seu nome começou a ficar conhecido e, seus poemas, sempre eram muito bem recebidos nos sites. O antigo caderno de poesias, já havia sido quase que totalmente copiado, mas cadê tempo de escrever mais...

A manhã começava na pia cheia de louças, continuava no tanque e terminava no fogão. A tarde, começava na pia (novamente cheia de louças), continuava no tanque (com o enxague das roupas) e no varal. Depois, ela apanhava a vassoura, o espanador e demais apetrechos ligados a limpeza da casa. Chegando ao quarto do filho, sentava-se por alguns minutos frente ao computador, verificando se seus tesouros (poemas) estavam bem. Algumas vêzes, respondia os poucos e-mails que recebia. Outras vêzes, procurava os poemas de uma jovem poetisa que conhecera na internet. Quando terminava a limpeza, começava a preparar o jantar que, ficaria no fogo, tempo suficiente para que ela passasse roupa. Assim que o jantar ficava pronto, só havia tempo para um banho, antes que o marido e o filho surgissem famintos. Após o jantar, um pouquinho de televisão e alguns minutinhos deitada no travesseiro, sonhando com poemas, eram seus momentos de lazer, antes que o sono a vencesse.

Nos finais de semana, sempre tentava mostrar seus poemas ao filho e ao marido que, impacientes, sempre se desvencilhavam dizendo: - "Isso é coisa de mulher." Para que a mágoa não a incomodasse mais, passou a fingir que acreditava nessa frase. Um dia, tomou coragem e pediu opinião a jovem poetisa que admirava, inciando, assim, uma grande amizade. Desse jeito, ficou sabendo que a jovem usava o computador do trabalho e lutava contra muitas dificuldades. Após algum tempo, elas já imaginavam-se como mãe e filha, escrevendo poemas à quatro mãos, publicando livros, etc. Quando a jovem ficou desempregada, ela estava adoentada e, não foi difícil, convencer seu marido que seria vantajoso hospedá-la.

Morando na mesma casa, a amizade entre elas se solidificou. A jovem, aos poucos, foi absorvendo os trabalhos de casa para si, deixando, cada vez mais tempo, para a amiga se dedicar a amada poesia. Assim encorajada, vender todos os objetos de valor ganhos ou adquiridos em trinta anos de casamento, para poder publicar um livro, deixou de ser sonho, para se tornar realidade. Novos poemas foram feitos e alguns antigos foram refeitos. A poesia de uma cresceu e da outra amadureceu.

Infelizmente, antes que o livro estivesse publicado, a senhora faleceu e, na noite de autógrafos, aqueles que admiravam seus trabalhos pelo internet, consolavam-se por não ter sido possível conhecê-la pessoalmente. A jovem poetisa, co-autora do livro, trocava, com as pessoas presentes, lembranças da amiga, falava de suas idéias e recitava seus poemas, arrancando suspiros e aplausos. Representando a falecida, o marido e o filho, tudo ouviam, custando a acreditar que tanta beleza estivera ao seu alcance, sem que lhe dessem o devido valor.

Naquele mesmo dia, ao chegar em casa, com a ajuda da amiga, o filho começou a reunir os poemas da mãe, para fazer o mais belo site de poesias já visto na internet.

Lenise Resende
26/02/02

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