Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em  maio de 2002

A Mariposa

Boa noite lâmpida! Boa noite mariposa! Permita-me oscular sua face? Pois não, mas rapidinho, pois daqui a pouco eles me apagam viu! As mariposa quando chega o frio, fica dando vorta em vorta da lâmpida pra se esquenta. Elas roda, roda, roda e dispois se senta em cima do prato da lâmpida pra descansá. Eu sou a lâmpida e as mulher são as mariposa, que fica dando vorta em vorta de mim toda noite, só pra me beijá. (Adoniran Barbosa)

Cheguei duas horas antes de começar o espetáculo, para dar aquela passada d'olhos e verificar se tudo estava certinho em seu lugar. Em teatro há uma máxima: Surpresas, só para o público!

Cumprimentei o diretor e ator principal Jo Martin, sua mulher Lis Michele, responsável pelo som e luz e fui para os camarins dar um alô para os atores.

Apertei a mão de cada um e entrei no camarim das atrizes que estavam se maquiando. Todas lindas, exuberantes! Estavam naquele momento mágico de incorporar as personagens e de saírem voando de mãos dadas com a criação.

Nesse instante, a Juliana chamou-me a atenção: uma mariposa de cor da madeira, que trazia nas asas os desenhos da fantasia, pousava sobre o batente e torna-se testemunha viva da transformação das atrizes em vendedoras de ilusão.

Adoniran chegara. Trazia consigo em forma de música sua presença de poeta do espetáculo e "ponhava" seu recado na porta: "Oi nóis aqui traveis, fingimo qui fumo mais num fumo, oi nóis aqui traveis!"

Grande Adoniran! Salve mestre da dor, que a retratou com a simplicidade da alegria!

Permita-me poeta, mas vou brincar com seus versos. Lembro-me quando o oficial de justiça chegou lá na favela e contra seu desejo entregou pra seu Narciso uma ordem de despejo, dizia assim a petição: Dentro de dez dias quero a favela vazia e os barracos todos no chão".

Caro Adoniran, que tristeza que nóis sentia, pois cada taubua que caia, doia no coração!

Vou lhe contar um segredo, poeta do asfalto, se morresse amanhã, atropelado em plena avenida, pediria licença para Nelson Rodrigues e talvez lhe pedisse um beijo de despedida. Não físico, que não faz minha medida, mas de sua alma lírica por ter transformado em Luz o bairro do Bexiga.

Quando meus filhos eram pequenos, de serem carregados no colo. Morava em casa alugada de parente. O aluguel era mais barato e sobrava algum caso houvesse dor de dente. Sabe como é, né, Mané!

No porão tinha uma rede esticada em dois ganchos em forma de interrogação. Pegava meus filhos no colo, um em cada braço e me deitava balançando em seus versos cantando assim: "Saudosa maloca, maloca querida, dim dim donde nós passemos os dias feliz da nossa vida".

É caro poeta, ensinou-me que não há ordem de despejo que acabe com a felicidade de saber-se sábio em ter tão pouco que caiba no bolso de traz. Mas e essa gente aí hein, que nem comida tem, como é que faz?

Sabe poeta, vou seguir seus conselhos. Chega de tristeza, pois Deus dá o frio conforme o combertô! Vou pedir pra Nega acender o candieiro, alumiar o terreiro que hoje vai ter ensaio geral. E vamos todos assistir no camarote real.

Vou sentar-me num banco da central, ao lado de meu amigo Terra, amigão do peito, gente fina e divertida, pedir um chopes e um pratinho com torresmo a milanesa e sentir na paquera o olhar daquela moça que me tivera, e cantar feliz da vida, seus versos dizendo assim:

"De tanto levar frechada do teu olhar, meu peito até parece sabe o quê, taubua de tiro ao Álvaro, não tem mais onde furar. Teu olhar mata mais do que bala de carabina, que peixeira de baiano, que veneno estricnina. Teu olhar mata mais que atropelamento de automóver, mata mais que bala de revolver".

Douglas Mondo

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