Sei que nunca receberá
esta carta, simplesmente porque eu nunca a mandarei. Há coisas que
a gente precisa dizer, simplesmente imaginando, que a pessoa estará
ouvindo, sem no entanto querer realmente que ela ouça.
Você que é
espiritualista, que sempre me ensinou a acreditar em alguma coisa sobrenatural,
talvez a leia algum dia, se nos encontrarmos em outro plano, o que desejo
muitíssimo.
Não sei por
que estou lhe e escrevendo, papai. Só sei realmente que preciso
fazer isso como algo que me projeta incontrolavelmente..
Quero dizer, que sempre
lhe amei. Amei, apesar das divergências, dos antagonismos e além
de qualquer desentendimento.
Aliás, você
também sempre me amou muito. Eu sentia esse amor na profundeza de
seus enormes olhos azuis cujos óculos não conseguiam esconder
o sentimento.
Quero dizer-lhe papai, que
sempre lhe admirei e que em certa fase da minha vida você foi o esteio,
a árvore imensa cuja sombra me protegia e cujas raízes seguravam
e sustentavam o meu frágil corpinho
indefeso.
Muitas vezes desejei que
você fosse daqueles pais que exteriorizavam o seu amor, com um abraço,
um beijo ou um sorriso carinhoso. Mas você cuja índole,
nesse aspecto diferia tanto da minha, expressava esse sentimento em dádivas
eloqüentes e dedicação incontrolável.
Que pena não termos
diálogos, papai! Que pena! Como gostaria que sentássemos
em algum lugar e pudéssemos conversar com a intimidade de pai e
filha!
Muitas vezes em minha
vida, senti a sua presença forte e vigorosa e desejei que ela fosse
a segurança que precisava. E foi, meu pai, juro que algumas vezes
foi. Juro solenemente que numa parte de minha existência, ela foi
o enorme gigante que não me deixava cair.
Agora, nesse momento,
estou sofrendo. Não me pergunte por que. Talvez seja porque junho
se aproxima trazendo- nos mútuas lembranças, ou talvez porque
o seu aniversário está próximo anunciando não
a sua exuberante maturidade mas a iniciada velhice acompanhada do fantasma
desse enfisema que lhe faz sofrer, ou talvez seja por alguma coisa tão
subjetiva que eu não saiba explicar. Só sei que a sua presença,
neste momento, me faz uma enorme falta. E você, nunca saberá
isso.
Como fui cega
, ou como fomos ambos cegos, não conseguindo nos compreender e não
sabendo ter a humildade de curtirmos nossas diferenças! Lembro-me
agora e há muito tempo não acontecia isso, da nossa enorme
casa na Barata Ribeiro, daquela Copacabana tão querida testemunha
de minha infância e adolescência. Talvez vocês tenham
esquecido que dentro dela existiam conflitos, problemas e soluções
possíveis.
Não estou
querendo culpá-los. Culpados somos todos que por vezes, embora presentes,
ficávamos ausentes um dos outros.
Entretanto, papai,
sempre amei vocês! Creia isso!
Não me conformo
em vê-lo pálido, o corpo outrora vigoroso, dando passos incertos
e principalmente que aquela bonita voz que captou, auditórios
e admirou assembléias que lhe assistiram, essa mesma voz esteja
agora trêmula, insegura e fraca.
Não posso vê-lo
ofegante que tenho ímpetos de chorar! Chorar pelo homem forte, saudável,
delirante e impetuoso.
Tenho medo de perdê-lo
mais do que o perdi lentamente através desses anos . Tenho medo
de perdê-lo definitiva e inevitavelmente.
Você foi sempre
para mim, o exemplo de cultura, o espelho de uma inteligência brilhante,
a rocha irremovível que se conserva vigorosa e cada vez mais
insoerguível.
O tempo não
deveria passar tão rápido, papai. O tempo não deveria
deixar-me vê-lo tão frágil e alquebrado depois de ter
presenciado a sua vigorosa maturidade.
Eu gostaria de lhe
dizer que nada, nem mesmo as recordações tristes, me farão
esquecer a ternura que você não queria demonstrar e por isso
mesmo não sabia encobrir.