Amiga Deise:
Pelas duas desta manhã
estava lendo To The Lighthouse, um livro fantástico da suave Virgínia
Woolf, e, pensava na sensibilidade feminina e sua expressão
na literatura. Lembrei da sutileza da Lygia Bojunga, na introspeção
de Clarice Lispector e comecei pensar sobre a apreensão do mundo
que envolve vocês. Não se trata de dividir literatura em:
feminina e literatura masculina. Pois, isto seria muita imbecilidade,
mas se trata de analisar as diferentes visões, os diferentes valores,
enfim, as diferenças que cercam os dois universos e que possuem
quilates de peso iguais. Assim como acredito que os homossexuais possuem
uma sensibilidade e uma apreensão do mundo diferenciada da dos heterossexuais,
a história da humanidade nos tem provado.
Talvez você seja a
única pessoa que conhece meus temores, minhas fraquezas, meus tormentos,
minhas poucas alegrias. Por isso falo o que realmente sinto, não
vou fingir que gosto dos seus bilhetinhos, isso eu não posso dizer.
Posso dizer que gosto muito da Deise. Isso eu posso dizer, e, é
um sentimento que não é condicional. Então não
preciso de nada para dizer que gosto da Deise. Simplesmente gosto, mesmo
sem cartas calorosas. No seu último bilhete, encontrei a seguinte
frase: “Não sei o que escrever”. Escreva apenas sobre a vida, nada
mais, nada menos, somente a vida, ou se preferir escreva sobre o não
saber o que escrever, o nada é muito promissor. Lao- Tse disse
no seu livro: Tao Te Ching: Mas é o oco do vaso que lhe dá
utilidade. Manoel de Barros escreveu um livro que chamou: Livro sobre Nada.
O livro de Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas começa
com a palavra nonada.
Estou lecionando e tenho
tanto a escrever sobre esta experiência. Mas, vou esperar. Vou escrever
sobre os alunos, os professores e os movimentos que os envolvem. Estudo
muito lingüística. Prometo escrever com maior regularidade.
Talvez minha carta esteja desconexa, o que concluí sobre as minhas
leitura das autoras? Nada. Porém, fico imaginado o que representa
para uma mãe ter seu seio sugado. Também analiso o contraste
entre o mundo prático do homem e o mundo que a mulher constrói.
Por isso, para não
ficar tão desconexo, reclamo de seus bilhetes. Que mundo interior
é o seu? Nada sei? Que página é seu corpo? Que linhas
transpiram seu sangue? Que água dissolve seus temores? Que tipo
de homem freqüenta sua interioridadeanimal. Pronto! Já tem
sobre o que escrever, a vida. Estou esperando seu trabalho sobre Sartre.
Abraços fraternos.