Uma tarde de fim de Primavera no Parque de Montjuïc, pertinho de
onde moro, no bairro de Hostafrancs, zona de ciganos e de fontes lúdicas.
Caminho sob a folhagem verde. As árvores, os ventos, as palavras
que guardo na cabeça para logo colocá-las no papel e o rubro
sol. Penso no estranho que é o de toda e qualquer existência.
Observo as águas e os montes, os insetos e as cores. A vida fervilha
aqui sob as mais variadas formas. Procuro a intimidade com o meu Eu para
logo mais concluir um texto teatral: Amásia. Falo de alguém
que morre e é praticamente obrigado a recordar amores passados através
de um Anjo perverso. É o momento de perguntar-se: por que este e
não outro? Por que é que essa gente se ata ao nosso
espírito, ocupa a nossa imaginação, e até às
vezes nos devora o coração, antes de se mostrarem o
que realmente são: puro desejo? Escavo com os dedos, com os dentes,
com os neurônios, essa profundidade que é o estar vivo. Agora
vejo a tonalidade azulada dos mertilhos muito maduros. O bosque forma massas
rubras, violáceas. Os "maricónes" — como eu — circulam silenciosos,
com olhos que falam, como pequenos esquilos ou, talvez, víboras,
"porque as víboras, senhor, as víboras rastejam por toda
a parte, sem contar as que há nos corações". Penso
muitas vezes em deixar de escrever cartas e e-mails. É que tudo
para mim é literatura, é pensamento, é questionamento.
Nunca sei escrever nada óbvio, natural, corriqueiro, e creio que
enfado meus amigos com esse discurso intimista. Quero as palavras como
sentimentos. Quero os amigos como flores esfomeadas. Leila, Urhacy, obrigado
pela divulgação do meu trabalho. Quando quiserem aparecer
em Barcelona, a casa é de vocês. Beijos,