Campos do Jordão, inverno de 1980
(à Lilita)

Querida:

Nesses dias esplêndidos, quando o clima adoça as imagens, quando não é de forma alguma quente, mas não é tão frio que nos afaste deste verde, nesses dias ensolarados e justos, lembro-me especialmente de ti.
Estou num pequeno quarto de hotel, mas a veneziana aberta e meu olho colocam-me no espaço infinito.
Dois largos pinheiros em primeiro plano, róseos, chumaços nas pontas algodoadas cor de uva moscatel, queimados de frio, lembram-me uma alegria antiga.
As alamedas são ladeadas de plátanos meio desgalhados, mãos súplices elevadas, soturnos, tristes, prateados, comoventes , mágicos, ah, os plátanos, mararavilhosas silhuetas contra o céu que pode ser benditamente azul ou inclementemente cinza; eles e as araucárias, encantadoras e disciplinadas, ai, como tudo me encanta! Os braços verdes delas guardam do balé a quinta posição, crescidos corretamente , um não mais alto que o outro. Isto lhes fornece um aspecto de cabeça chata, contidos, por assim dizer, em alturas menores que as que poderiam suportar....
Que lei de Deus é essa? A mesma talvez de nossas células, de nosso relógio de vida, nosso metro de altura e cada aspecto da raça humana e de cada indivíduo?
Postam-se as araucárias como colegiais em fila.
Quem as plantou nessa ordem? Quem arranjou tão harmoniosamente essa confusão de verde e rosa escuro, misturado ao azul, este imenso arranjo sustentado pelas montanhas de Campos do Jordão?

Essas coisas tão belas e que não custam nada, que podem ser usufruídas em qualquer idade, não sendo privilégio da juventude ou da classe social, trazem-me à lembrança uma época em que me apresentavas às árvores das estradas, em longas viagens, em que te deslumbravas e eu procurava ver através de teu olha:
— Olha lá filha: olha aquela árvore! Olha as plumas nos galhos, como mãos, cada uma empunhando uma flor amarela!
Acariaciavas o veludo das montanhas...e eu tentava perceber e entender tua delicadeza: tua maneira de ver arte nas coisas. É esse tipo de  companhia que, quando olho pela janela, me dá uma pena imensa de não ter.


Clélia Romano

 
 
 

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