Salvador, 22 de agosto de 1999

Amado,
 
Caiu-me às mãos uma das "Cartas à Amiga Veneziana" de Rilke, aquela que você enviou-me, lembra-se? Com ela, uma agradável lembrança de você. Decidi, então, abrir o envelope onde guardo as cartas e poemas que trocamos. Muita coisa bonita, muita coisa boa, muito de nós dois. As cartas estão em ordem cronológica, sei que você está sorrindo, não compreende esta necessidade de organização -. Nelas estamos inteiros né, amado? Sempre dissemos o que nos ia na alma como naquela carta onde você registrou um momento especial da sua vida  "...sonhos que atravessados em minha garganta me roubam a voz, extraem de mim todos os silêncios e mostram a nitidez do nada, a estupidez de querer dizer algo quando nenhuma palavra pode expressar a sua plenitude. Mesmo assim eu escrevo esse monolito. Rainer Maria Rilke me observa do sofá. Bach sussurra sua toccata and fugue in D minor, no órgão de Otto Winter. Bach que fazia poesia com a música apenas e não com as palavras....".... Não cabem dentro de mim os alambrados, as espingardas...só sesmarias, pradarias, planícies que se perdem no horizonte sem divisões, como um todo e suas partes. Como a flor de lótus e a lama. Como a serpente e a flauta...". Sim, visitei, também as cartas que lhe enviei e nelas o registro dos momentos que dividi com você. Escolhi transcrever uma das que me parece importante lermos juntos neste momento.
 
"Querido. Desde que li o seu poema que tento dizer alguma coisa, fazer-lhe um carinho, responder. Não estou conseguindo e então, pus-me a pensar porquê. Ele me emociona muito e fico numa atitude de reverência, creio que é porque ele retrata um momento tão seu, tão íntimo, tão especial que, mesmo sendo eu o motivo dessa explosão de vida e poesia, mesmo sendo eu a despertar-lhe todas essas sensações, fico sem  saber se devo tecer algum comentário, ou apenas prostar-me encantada. Sabe amado, você é uma pessoa  muito especial e eu fico muito feliz de poder compartilhar com você desse momento onde somos pássaros em vôo livre, voando além do sonho, misturando-nos  aos sons, cores e luzes desse espaço que a nossa vontade criou e para aonde podemos ir todas as vezes que quisermos juntos viver o sonho da parceria e do amor que se faz simples, que se faz sem perguntas, que não cobra respostas, que não tem medos, que não traz passado, que não pensa futuro, que se ilumina em prazer, sexualidade e sensualidade. O amor que simplesmente é”.
 
Que nós, amado, possamos nos entregar à vida, à emoção, à explosão de ternura, ao carinho, ao dizer eu quero, eu preciso!. Os nossos momentos ficarão impressos em nossas vidas e quando eles forem apenas lembrança, que sejam as mais belas. Que este amor transforme os nossos medos e que nos deixe tão completos que não mais precisemos questionar a existência, apenas vivê-la na sua bela e grandiosa simplicidade.
 
Estou guardando tudo que você enviou para mim, tudo que enviei para você, é muita poesia, a poesia que tornaremos a viver juntos, mesmo que seja ( e eu acho que será ) apenas para lembrar-nos entre sorrisos de cumplicidade e deleite, como foi significativo tudo isso que agora nos toma, que nos faz em felicidade e prazer.
 
É isso meu amado, a esse sentimento estou receptiva e entregando-me sem questionar nada. Quero apenas vivê-lo intensamente, extrair dele toda a beleza, todo ensinamento, todo prazer, toda a alegria e toda a vida que nele estiver contida. Como nada nos acontece por acaso, estou certa que esse encontro servirá, entre outras coisas, para que eu conheça mais de mim mesma.
 
Amado, na verdade o que quero lhe dizer é que tenho consciência de o que estamos vivendo agora é instantâneo e dele ficará impresso em nós dois, um instante imobilizado como numa fotografia, mas que conterá vida e história, e tudo que quero é que seja linda esta história, para que, um dia, ao olharmos a fotografia possamos descobrir que aquele momento ainda existe, naquilo que dele foi desdobramento."
 
Que bela fotografia, amado! Estamos sorrindo. Tenho a impressão que sua boca toca o meu rosto, seus braços enlaçam-me num abraço. Não houve malefícios. Conforme combinamos, no próximo mês vamos lembrar de tudo isso entre risos e carinhos, aqueles que só são trocados entre amigos que se amam.
 
Beijos e minha imensa ternura.

Stela  Fonseca


 
 
 

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