CARTA Nº 10

                                                                                       Sexta-feira, 26 de maio de 2000

Meu grande amor:

     Já faz alguns dias que não escrevo, mas aqui está um chorinho de saudades.
     Tenho tido muito trabalho nestes dias, no entanto, não deixei de pensar em você um só minuto. Não te preocupes, isso não atrapalha em nada.

     Há dezenove dias estás longe de mim, mas sempre perto do meu coração. Meu problema é apenas geográfico, concordas? E dói seguir os dias distante de ti. Há alguma dorzinha por aí também? Se tiver, quero arrancá-la de você. Ainda posso suportar as duas neste momento.
     Também tenho andado preocupado com você, se está bem, se está precisando de alguma coisa... até mesmo se acostumou com o ambiente novo. Claro que pensei isso antes, só não havia comentado claramente. Eu me preocupo muito com você, acredite ou não. Quero que saibas disso. Eu aqui, vivo junto as suas experiências, crescimento, e partilho o desconhecido futuro que me faz capaz de acreditar e confiar, como algo modificador de nossas vidas.
     Não é preciso eu repetir certas coisas para você, apenas gosto de sugerir que nos lembramos delas. Que as reconhecemos. Uma extensão de meus sentimentos é fazer essas cartinhas chegarem até onde estás. Assim eu existo. Também não quero ser perfeito, mas, criar algo, descobrir alguma coisa, pois sou tão menos sem você. E pensar que muitas vezes, mecanismos de defesa não foram postos em mim, e julgo não existir em você também.
 
 
 

     Somos capazes de sonhar, pensar... acho que não encontrei ninguém, que, por uma razão ou chance, não me contou o que sonhava ou pensava em fazer. Tem sempre alguma coisa acontecendo dentro de nós, que não é divulgado como “notícia do dia”.

     Muitas vezes escutamos algo de ruim como: o roubo da previdência foi de..., “a corrupção é descoberta e milhões de brasileiros sofrerão as conseqüências de...” Os jornais estampam o pior para chamar a nossa atenção. A televisão e os outros meios de comunicação não nos ensinam a ser alegres ou mesmo amar.
     Há muitos anos não vejo ou escuto uma manchete de que alguém conquistou o amor de sua vida. É muito mais fácil escutarmos que alguém perdeu o amor de sua vida, não é mesmo? Hoje em dia, seria uma manchete e tanto descobrirmos uma declaração de amor, e acreditamos ser uma coisa muito íntima para ser divulgada, pertencendo somente às partes envolvidas. Acho um erro tentar esconder. Por isso que não se aprende a amar. Quando, e se aprendemos, queremos guardar a sete-chaves. Imagine eu te dizendo: vou esconder o pôr-do-sol, é muito bonito para os outros verem. Vou esconder a lua, porque hoje ela está cheia e ninguém merece ver a lua, está muito linda. Vou pintar as flores de uma só cor, pois, coloridas e diferentes elas não devem ser. Já pensou isso tudo acontecendo? Que triste seria o mundo. Eu teria ficado cego. Melhor estar totalmente cego.
     Mas é assim que muita gente faz com o amor. Esconde, o deixa guardado para nunca ser uma manchete. Isso é até grave. Repercuti muito mais que a notícia ruim. Além disso, dizem que é uma complicação danada para nossas vidas, estar gostando de alguém. A palavra “relacionamento” está se tornando desagradável. Uma pena. Alguém escondeu meu pôr-do-sol. Acho que não posso esconder o nosso, ou por enquanto, o meu. Acredito em jamais ocultá-lo. Mas divulgá-lo, fazer com que se torne uma ótima manchete, acreditando nele como uma “ponte” em construção.
 
 
 

     Sabe, amor, tem um ditado que diz que “a fé remove montanhas”, e eu tenho fé. Minhas únicas ferramentas são estas simples cartinhas. Palavras se perdem, mas palavras escritas são para sempre.
     Eu gostaria de poder mostrar-lhe dois pôr-do-sol em um só dia, uma noite com duas luas... fazer manchete de meu amor, e nunca guardaria a intimidade de meu amor, pois exigiria o máximo de mim. O risco de sofrer e fracassar. Não há risco maior do que não ariscar nada. Não há equilíbrio no amor também. Alguém sempre está subindo ou descendo. É uma grande gangorra.
     Quiçá de menos burocracia seguir sentindo e sentir amando. Mundamente amando. Como se o mundo existisse diferente dentro de mim, pois ele seria você para mim.
     Como dizia Vinicius: “pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor..., mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva obscura e desvairada não se souber achar a bem-amada”.

                                                          Sentir o verdadeiro amor!

     O verdadeiro amor tem um efeito cardíaco . Você sabe por quê? Vou tentar explicar-lhe: - “Primeiro escutamos o ‘amor’, depois pensamos tê-lo, e daí, então, cheiramos o ‘amor’. Bem mais tarde, o tocamos (se tocar antes de tudo isso, não é amor, é só atração física, e amor verdadeiro segue regras espirituais).

     Todas essas sensações são transmitidas para nossa memória. No percurso desta viagem, é claro, os “guardas” em prontidão se encontram dormindo, pois do contrário, o “amor” seria barrado e mandado de volta. Você sabe que o amor gosta de ser astuto e muitas vezes nos pega desprevenidos. Então, depois de se alojar no cantinho de nossa memória, ainda um pouco escondidinho, ele envia seus “pedacinhos” ao coração.
 
 
 
 

O coração não sabendo desse ser estranho, começa a expulsá-los, e lá se vai o “amor” por todo o corpo, e outros pedacinhos de “amor” chega e o coração se agita outra vez, quer até chamar os “guardas”, mas não adianta mais. Não querendo sofrer, o coração se alia ao “amor” e ajuda-o a se alastrar ainda mais.
     Bem, agora já sabes de onde vem o “amor” de dentro de nós. Outro dia vou contar-lhe a historinha de como o “amor” nasceu, antes de entrar em nós.
     Quer saber agora? Puxa! Eu teria algo muito mais interessante a contar. É como vive o “amor” dentro de nós e o que ele é capaz de fazer. Mas, se você quer saber mesmo sobre como o “amor” nasceu, aqui vai:
     “Uma vez, estando Deus sozinho e triste, olhou ao redor e viu nada, tocou nada, e escutou nada também. Ele estava totalmente só. Seu coração pulsou e doeu, e pela primeira vez Ele chorou. Já imaginastes Deus chorando de solidão”? Então ele pensou: “Vou criar um mundo e colocar pessoas lá, assim como Eu Sou, à minha imagem. Vou criar coisas para tocarem, sentirem e cheirarem no mundo. Não os farei para sentirem-se como Eu”.
     Assim, o “amor” fora de nós, é tudo aquilo que Deus criou. Já dentro de nós, é tudo aquilo que Ele sentiu depois da criação. É o mesmo que colocarmos o mundo dentro de nós.
     Foi assim que o verdadeiro amor nasceu. Da solidão e dor de Deus, e a primeira sensação que Ele notou, foi em Seu coração. Por isso que o verdadeiro amor tem em nós, o efeito cardíaco.
     De onde surgiram os “guardas”? Isso é outra história. Outro dia te conto.

     Pois é meu anjo, inventei esta historinha para quebrar a monotonia de nossa conversa. Se não gostou, invento outra.

     Hoje à noite também conversei alguns minutos com sua mãe. Ela me disse que você já está em seu novo apartamento e que tudo está bem por aí. Que bom! Espero que seja bem
pertinho do lugar onde fazes o curso. Você tinha me falado de um lugar em frente, espero que seja o mesmo.

     Eu gostaria de terminar esta cartinha com um soneto.  Aliás, sonetos é o que mais gosto de fazer. Outra coisa, espero que tenhas colocado uma moldurinha naquele que te dei pela primeira vez. Foi isso que dissestes quando o recebestes. Lembro teres dito que iria colocá-lo em um quadrinho e recomendei que o colocasse ao lado de tua cama.

    Aqui está:

SONETO DE BUSCAR-TE

Meu amor é de tudo e não se acaba
Dobra-se triste, mas persiste
Vive de paixões em cada sílaba
Assim como sabes, Deus existe.

Que a fé já fez-se um drama.
Para descobrir-te entre montanhas
É preciso removê-las uma a uma
Ou morrer na dor que me acompanha.

Que é dos tempos uma vazante
O grito, o sangue e a façanha
Da poética esculpida e delirante.

Entretanto, te ver me basta
Na simplicidade de amigo ou amante
Antes que o tempo chegue e nos reparta.


                 Com todo o meu carinho.
                        Teu e sempre poeta.

                                             Gilson F. Dallegrave

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