A dor foi tão grande que eu fiquei paralisada. Nesses meses de desconforto
e angústia, parece-me que o tempo não passou ou que passou
demasiadamente rápido para que eu tenha tão vívida
a sua imagem querida. Pela minha cabeça as cenas de nossa infância
são como um filme marcante que já vimos inúmeras vezes,
mas que não cansamos de apreciar. Revejo-o em nossas brincadeiras
infantis, discussões , brigas, gargalhadas despreocupadas, lágrimas
incoerentes; nos jogos inocentes e pueris mas tão vibrantes,
no companheirismo não percebido porém marcante que fazem
a vida dos que crescem juntos. Sinto-o tão perto, mas não
consigo tocá-lo, vejo-o, os olhos expressivos e grandes e os bastos
e negros cabelos encimando a testa estreita. Seu rosto está aqui
a poucos passos dos meus olhos e a voz tão familiar soa em meus
ouvidos como uma música de valor inestimável.
Quantas vezes as nossas conversas enveredaram por caminhos desagradáveis
pela intimidade comum em irmãos e como gostaria de pedir-lhe que
relevasse esses momentos inúteis. Mas isso não faz parte
do contexto da intimidade fraterna? Então deixemos que isso fique
depositado em nossa memória de uma maneira doce, terna e importante.
Nesses meses de sofrimento intenso em que a saudade tornou-se meu principal
algoz, a reformulação de toda uma vida se me apresentou de
maneira contundente, revisando meus valores, alterando as sensações,
transformando em lágrimas as lembranças suaves ou tristes
e me fazendo perguntar inúmeras vezes a mim mesma: Por que? Por
que?
Nada mais será igual, nada terá a mesma alegria anterior,
a conhecida sensação de plenitude e jamais poderei vibrar
com a mesma intensidade, sabendo o quanto e tão dramaticamente você
sofreu.
Nesses seis meses de recolhimento interior em que a dor transitou opulentamente
espalhando suas dolorosas faíscas, pude apesar do entorpecimento
fazer uma avaliação da minha própria vida. .Senti
uma imensa frustração ao reconhecer o quanto de superficialidade
imatura e valores inúteis fizeram parte dela. Não quero mais
isso. .Não quero sentir essa imensa sensação de vazio
e inutilidade. Não desejo sofrer novamente por não ter compreendido,
de verdade, a essência da vida com seus valores intrínsecos,
sentimentos legítimos sem os quais não vale a pena viver.
No decorrer desse período em que absorvi tristemente a solidão
do verdadeiro sofrimento, gostaria de ter aprendido a enaltecer o
amor aos entes queridos antes de qualquer coisa material e passageira.
Não esquecerei jamais, meu irmão, a convivência importante
que tivemos ao longo da vida, sem a qual eu não teria sido aquela
que você conheceu. Eu não sabia. Não sabia o quanto
você era extraordinariamente importante para mim e o quanto de luz
e felicidade espalhou em meu caminho. O mais importante foi esse amor que
existiu entre nós e que infelizmente só na angústia
desses dias difíceis conheci a grandiosidade. Seu rosto, sua voz,
seu sorriso, o modo como você andava ou se dirigia às pessoas,
os gostos mais extravagantes ou sutis, o carinho pelos dias festivos, a
irritação pelo que não o agradava, bem como a alegria
de realizar o que esperava, tudo isso me acompanharão enquanto eu
aqui estiver e serão como um clarão de esperança
a iluminar a minha trajetória. Siga a sua estrada, meu irmão.
Sei que ela será marcada por uma paisagem autêntica de paz,
fé e da presença de Deus. Lá nos encontraremos.