Simone de Beauvoir e Nelson Algren

(17 de maio de 1947)
A bordo de um avião da KLM
Sábado à tarde, Terra Nova

              Meu gentil, maravilhoso e bem-amado "jovem nativo" (1), você mais uma vez me fez chorar, mas lágrimas doces, doces como tudo o que vem de você. Eu acabara de me acomodar no avião e abrir seu livro, quando tive vontade de ver a sua caligrafia. Voltei para primeira página lamentando não ter pedido a você que nela escrevesse alguma coisa, e eis que elas estavam ali, suas ternas, atraentes e belas palavras. Apoiei a testa contra a janela e chorei acima do mar azul, mas lágrimas doces, lágrimas de amor, do nosso amor. Eu o amo. Antes, o chofer de táxi me perguntara: "É seu marido?" "Não." "Ah, um amigo?", e acrescentara com uma voz cheia de simpatia: "Como ele parecia triste!" Não pude me impedir de dizer: "Nós estamos muito tristes por nos separar. Paris é muito longe!" Então ele começou a falar amavelmente de Paris. Foi melhor você não ter vindo comigo a Madison Avenue e La Guardia. Havia alguns conhecidos com as piores vozes francesas e os piores rostos franceses, e Deus sabe como eles podem ser antipáticos. Eu estava aturdida, incapaz até de chorar naquele momento. Apenas aturdida. Depois o avião decolou. Gosto de aviões. Quando se vive intensamente uma grande emoção, ele é o único meio de transporte que se adequa ao nosso estado de alma, creio. O avião, o amor, o céu, a tristeza e a esperança constituíam um todo. Eu pensava em você, lembrava-me com cuidado de cada detalhe, lia seu livro, que aliás prefiro ao outro. Ofereceram-nos uísque e um bom almoço: frango ao creme e sorvete de chocolate. Você teria ficado radiante com a paisagem, as nuvens, o mar, a costa, as florestas, as cidadezinhas. Distinguia-se muito bem a Terra, e você teria sorrido o seu sorriso caloroso e infantil. Por sobre a Terra Nova, a noite já caiu, enquanto em Nova York ainda são três da tarde. A ilha é belíssima, toda com pinheiros sombrios e lagos melancólicos, com um toque de neve aqui e ali. Você também gostaria dela. Aterrissamos e devemos aguardar duas horas. Onde está você neste exato momento? Talvez em um outro avião. Quando você voltar ao nosso pequeno lar, eu estarei lá, escondida sob a cama e em todos os lugares. Doravante estarei sempre com você, nas tristes ruas de Chicago, sob o metrô de superfície, no quarto solitário. Estarei com você como uma esposa amorosa com seu marido bem-amado. Nós não teremos de despertar porque não é um sonho; é uma história real e maravilhosa que apenas se inicia. Eu o sinto comigo e aonde eu for você irá, não apenas seu olhar, mas você inteiro. Eu o amo, e não há mais nada a acrescentar. Você me toma nos braços, eu me estreito contra você e o beijo como costumava beijá-lo.

Sua Simone.

Simone de Beauvoir

Do livro: "Simone de Beauvoir  Cartas a Nelson Algren - Um Amor Transatlântico". Edição, tradução do inglês e notas Sylvie Le Bon de Beauvoir,  Tradução e edição Marcia Neves Teixeira,  Antonio Carlos Austregesylo de Athayde, Ed. Nova Fronteira, RJ.

Enviado por: Leninha
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(1) Algren, nascido em 1909, era um ano mais novo que Simone de Beauvoir.


 
 
 

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