Minha querida amiga,
Por fim o céu clareou pra mim! Ontem
ao meio dia eu tinha a impressão de um aniversário: você
me escreveu, aceitando o mais belo presente que alguém poderia me
dar neste momento. Minha irmã mandou cerejas, Taubner me enviou
as primeiras provas de Gaia Ciência: para coroar tudo, eu acabava
de terminar a última parte do manuscrito e com ela o trabalho de
seis
anos(1876-1882). Todo o meu "livre pensamento"! Oh que anos! Que torturas
de todo tipo, que solidões, quanto nojo da vida! E para lutar contra
tudo isso, para lutar de algum modo contra a morte e a vida, eu me preparei
este remédio, meus pensamentos com esta pequena, pequena parte de
céu claro acima deles: Oh cara amiga, cada vez que penso em tudo
isso, sinto-me abalado, comovido, e não sei como pude vencer: um
sentimento de piedade por mim mesmo e de vitória me invade inteiramente.
É bem uma vitória, e completa- porque a própria saúde
visivelmente reencontrou meu corpo, sem que eu saiba como, e todo mundo
me diz que pareço mais jovem que nunca. Que o céu me preserve
de fazer loucuras! Mas agora que você vai me aconselhar, vou ser
bem aconselhado e nada mais tenho a temer.
Quanto a este inverno, pensei seriamente e
exclusivamente em Viena. Os projetos de minha irmã para o inverno
são totalmente independentes dos meus e não há nenhuma
segunda intenção por detrás disso. O sul da Europa
se apagou do meu espírito. Não quero mais estar só,
quero reaprender a me tornar um ser humano. Ah, tenho ainda quase tudo
a aprender, neste setor!
Aceite meus agradecimentos, querida amiga.
Como você o disse, tudo sairá bem. Minha afeição
ao nosso Rée.
Seu
FN
Friedrich Nieztsche
Do livro: "Humana, demasiado humana", de Luzilá
Gonçalves Ferreira, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2000
Enviado por: Márcia Maia
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