Ribeirão Preto / SP - 27 de Setembro de 2001

                Frágil e meiga tia Cidinha, inesquecível Dona Solú (Isabel Cruz Saraiva) e mercurial e providencial tia Julieta,

                                    (...) "Onde nasceste, hoje, Lua? Estás inteira ou veio pela metade? Contigo desprezo a coruja. Comigo sonho, arraiais e montanhas. Asas de anjos soltas no infinito. O céu noturno é um jardim repleto de criações as mais variadas. Nebulosas e galáxias são restos mortais de explosões estelares..." ( Zanoto - in: Di- Versos Caminhos / Correio do Sul - Varginha - MG).

                Tia Cidinha, sua carta é a mais linda poesia que pude ler em suas mãos, em seu espírito feminino de tia atenciosa, carinhosa e admirável. Dona Solú e as suas chics passadeiras e tapetes de sua belíssima casa verde, do seu jardim de ciprestes esculturais (jardim semi-público), seus suntuosos sofás e suas deslumbrantes jarras e vasos com plantas esplendorosas, aqueles estojos vítreos finos dos quais Dr. Zezinho tirava e me oferecia balas de laranja com vitamina C (lá no seu consultório e dos baleiros da sua casa)... como posso esquecer estas belezas que atiçavam minha gulodice e extasiavam minha alma?
                Tia Cidinha, de fato, a fazenda Águas Correntes dos Antunes - Concepção do Formoso - Santos Dumont - Minas Gerais perdeu a sua graça, as suas árvores, as suas galinhas, o seu terreiro de secar café, o seu pomar, as suas abelhas (que transportavam os néctares perfumosos das árvores floridas na Primavera) e nunca mais será como nos tempos do meu tio José Bonifácio de Toledo, nunca sentirei o mesmo que lá vivia se lá ainda puder voltar!... Choro, tia Cidinha, choro por ter perdido aquele paraíso da minha infância! Mesmo povoado por escorpiões e marimbondos ou cercado por arame farpado!... A grama verde entranhando sob as negras rochas secou. A roda d'água do moinho sumiu, as águas que nela eternamente cantarolariam secaram!... Que praga bíblica, meu Deus!... Meus santinhos de barro voltaram à terra da qual emergiram suscitados pela minha emocionante necessidade de procissões, bandas de música, santos dançando em seus adornados andores e olhares suplicantes e humildes desfilando ante os meus olhos na janela enfeitada pela minha pobre e desencantada mãe. Novo choro. Emocionado por tais lembranças.  Córregos com suas pedras aveludadas pelo lodo escorregadio das suas existências, suas águas frescas sendo absorvidas pela santa sede das raízes dos lírios de São José... o tilintar ou o estalar dos angicos no alto da casa, aquele vento com cheiro de roça, os beija-flores riscando os ares como boeings... tudo isto continua aqui dentro de nós e, só assim, me conformo e paro de chorar.
                Adorei saber que o seu neto Adriano estuda Pintura e muito me emocionei ao ler a sua mais recente  e poética carta. Muita saúde e alegria para a senhora e os seus. São os sinceros votos do seu sobrinho José Luiz Dutra de Toledo

José Luiz Dutra de Toledo

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