Minha mãe,
antes que nascesse, disseram-me que tu serias gentil e abrigaria teus
filhos em solo fértil.
Disseram-me também que às tuas margens, tão plácidas,
seria eu sempre livre, que aqui poderia fincar meus pés, construir
meu rincão e gerar os meus frutos.
Tanto falaram minha mãe, a respeito de uma tal igualdade e de
vozes proclamadoras de um sol eterno e fúlgido, que eu, tua filha,
orgulhosamente rompi teu ventre e chorei de amor por ti.
Mas minha mãe, ouça-me, eu cresci!
E destarte o grande amor que te tenho, meus olhos varrem assombrados
as esquinas. Em cada canto, um irmão. Milhares de bocas famintas.
Minha mãe, não entendo! Como poderia eu ser feliz, quando
o fraco vagido de uma criança, não enternece um coração
desapiedado?
Minha mãe, não compreendo o desterro imposto aos teus
filhos, que aqui não podendo plantar, abrigam-se sob as asas de
mães estrangeiras.
Minha mãe, aterroriza-me a constatação de que
para fazer valer a igualdade, liberdade e respeito, eu, cidadã,
tenha que recorrer a um texto legal.
Minha mãe, foi a tua, gentileza fabricada?
Minha mãe, esse teu solo, sempre fértil, desde o início
já tinha destino certo?
Perdoe-me se te pareço ingrata, mas hoje sinto-me menos tua
filha do que quando nasci.
Mariza Lourenço