Hoje faz um dia lindo, sem nuvens com
muita luz, resolvi escrever esta carta, não tenho certeza que vou
te encontrar, mas ainda assim, não custa tentar. Confesso não
ser muito bom para cartas, talvez quem sabe deveria pedir para alguém
com mais talento. O que importa na verdade é que tive um sonho estranho
e fiquei preocupado, entrei contato com o Crea, consegui o seu último
endereço. A verdade é que poderíamos lembrar dos tempos
da Universidade, lembra? Eu te confesso que lembro sempre, e arrisco a
dizer que foram os melhores anos, tanta esperança, tanta vontade
de mudar o mundo, e a alegria de ser as pessoas que éramos.
Entre os acontecimentos, sempre será
especial o dia que fomos estudar na Biblioteca, e te chamei para ver um
livro de poesia do Fernando Pessoa, e não paramos de conversar ali
entre estantes, umas duas horas ou mais, e foi muito engraçado depois
a gente voltando para a mesa quase na hora de fechar, e todo mundo nos
olhando sem entender nada.
Lembro também dos doces do Seu
Baia, das tardes na sala de estudo das caminhadas pelo campus quase ao
por do Sol. Devo confessar passados mais de vinte anos que cheguei a pensar
que estava apaixonado e graças a isso, antes de uma aula de Genética
em um dia de chuva fina, escrevi um poema que nunca ousei mostrar. O tempo
se encarregou de me ensinar que na verdade eu tinha uma grande afeição,
e sentia muito prazer em conversar com você, conversar por horas
contando as gracinhas da Denise, mostrando outros poemas, menos aquele,
aquele nunca.
Esse poema tem uma história engraçada,
ele desapareceu, e fui recuperar muitos anos depois. Ficou desaparecido
uns dez anos, uma amiga por acaso o guardou e um dia numa visita ela mostrou
uns poemas que havia enviado e por sorte ele estava no meio.
Mas não era sobre isso que queria
falar, eu só quero realmente saber com está a sua vida, fui
ao seu casamento e devo dizer que foi uma cerimônia muito bonita.
Imagino se terias filho, e como seriam os seus filhos. Na verdade eu queria
e torço para que seja muito feliz, que esteja bem de saúde
e de grana, que o casamento seja uma alegria constante, assim como nos
contos de fada.
Acima de tudo eu estou atrás
de notícias suas, como alguém que ficou ausente muitos anos
e de repente aparece, como alguém que de certa forma quer recuperar
o frescor dos vinte anos, a esperança da juventude, a amizade, alguém
que quer recuperar alguns tesouros que perdeu durante a caminhada.Confesso
porém um certo medo do reencontro, porque certas imagens são
tão bonitas que temos medo de estragar, às vezes as lembranças
são melhores, e algo poderia desmanchar no ar estas tão caras
lembranças juvenis.Estou tentando dizer nesta carta o quanto foi
importante ter conhecido essa menina inteligente, sensível, amiga,
como foi importante ficar perdido entre as estantes, nas aventuras de outros
dias, em todos os momentos que parecem agora tão distantes.
Estou tentando recuperar um tempo que
sei não poder recuperar, que sei perdido para sempre, mas que ainda
assim insisto em buscar. Estou tentando dizer tanta coisa, estou tão
repetitivo, tão sem jeito de encontrar as palavras e idéias
que tornem claro o que sinto nesse exato momento. Estou tentando a tantos
anos reencontrar um caminho perdido, um sonho que foi perdido, e no entanto
acabo por repetir palavras, por não saber como explicar algo que
é bem maior do que imaginava.
Estou tentando a quatro parágrafos
ser mais claro, mas fico a repetir verbos e erros gramaticais, e
na verdade o que eu queria mesmo que era que por alguns minutos pudesse
voltar no tempo, e estar pousando para a fotografia que tiramos no campus,
aquela velha fotografia de formatura que guardo com orgulho e carinho.
Eu queria agora era voltar no tempo e corrigir algumas fraquezas e poder
dizer o quanto você foi importante e quem sabe até perder
a vergonha e finalmente te entregar o poema, para não ter que esperar
vinte anos para escrever uma carta que nem ao menos sei se chegará
as suas mãos.
Flávio Machado