S. Paulo, 15 de novembro de 1923

                               15 de novembro. Viva a República!
                                                                 Tarsila, minha querida amiga:

[...]
Cuidado! Fortifiquem-se bem de teorias e desculpas e coisas vistas em Paris. Quando vocês aqui chegarem, temos briga, na
certa. Desde já, desafio vocês todos juntos. Tarsila, Oswald, Sérgio, para uma discussão formidável. Vocês foram a Paris
como burgueses. Estão épatés. E se fizeram futuristas! hi! hi! hi! Choro de inveja. Mas é verdade que considero vocês todos
uns caipiras em Paris. Vocês se parisianizaram na epiderme. Isso é horrível! Tarsila, Tarsila, volta para dentro de si mesma.
Abandona o Gris e o Lhote, empresários de criticismos decrépitos e de estesias decadentes! Abandona Paris! Tarsila! Tarsila! Vem paraa mata virgem, onde não há arte negra, onde não há também arroios gentis. Há MATA VIRGEM. Criei o matavirgismo. Sou matavirgista. Disso é que o mundo, a arte, o Brasil e minha queridíssima Tarsila precisam.
Si vocês tiverem coragem venham para cá, aceitem meu desafio.
E como será lindo ver na moldura verde da mata a figura linda, renascente de Tarsila Amaral. Chegarei silencioso, confiante
e te beijarei as mãos divinas.
Com abraço muito amigo
                    do Mário

Mário de Andrade

Do livro: "Tarsila do Amaral, a modernista", de  Nádia Battella Gotlib,  Editora SENAC/ São Paulo, 2ª ed., 2000. SP
Enviado por: Leninha

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