Colegas escritores:
Vale a pena tomar conhecimento do assunto: uma
carta aberta do Mário Prata ao FHC, publicada ontem no Estadão,
propõe a legalização da
profissão de escritor, no Brasil, a exemplo de muitos países.
O Rafael Grecca assumiu a "briga" e
vai propor a regulamentação de
nossa profissão em Brasília. (textos abaixo):
Carta do Mário Prata:
"Presidente:
Tenho certeza que se alguém lhe perguntar
quem sou eu, o senhor responderá: o escritor. E, talvez - cutucado
pela doce
dona Ruth - até acrescente: pai do Antonio,
também escritor.
Pois é, meu querido presidente: o senhor
e a dona Ruth errariam. E eu estou aproveitando aqui o meu espaço
no Estadão e
os seus últimos meses aí no comando
para te pedir um favor. Um favor de um brasileiro que o senhor conhece
e até já leu
uma vez ou outra. Um favor pessoal, quase íntimo.
O que eu quero, meu presidente, é que antes
de o senhor deixar o governo, me reconheça como escritor. Não
apenas eu. O
Verissimo, o Ubaldo, o Loyola, o Mateus, o Jorge
Amado, o Machado de Assis, também estão na mesma situação
minha.
Como está o meu filho Antonio. Resumindo,
meu caro: não existe a profissão de escritor no Brasil. Vou
repetir: não existe.
Quando declaro meu Imposto de Renda (não
existimos, mas pagamos), tenho de me dizer ou jornalista ou assemelhado.
É
duro, meu presidente, depois de 42 anos escrevendo
(e vivendo disto) ainda seja apenas um elemento assemelhado. Não
é
nem semelhante, é assemelhado mesmo!
Minha profissão não existe, presidente.
Não posso me aposentar... Não tenho um sindicato que me represente.
Estou sujeito
a contratos de direitos autorais absurdos que
sempre beneficiam os editores e/ou contratantes. Eles, todos com profissão
definida.
Se me permite, senhor presidente, faça
alguma coisa pela cultura neste seu fim de octaedro democrático.
Sim, se o senhor
olhar para trás, vai ver que deixará
apenas as tais leis de incentivo fiscais que eu tenho certeza de que não
lhe contaram
direito como funcionam. Nunca tanto dinheiro
ficou na mão de tão poucos (melhor ainda: poucas) "agentes
culturais". Antes
das tais "leis", as peças de teatro tinham
oito apresentações por semana, lembra?
Agora têm três. Mas eu acho que nem
o seu ministro da Cultura vai saber te explicar isso direito. Se quiser
mais detalhes,
converse com o embaixador de Portugal. Passei
uns dias com ele lá em Lisboa e expus as minhas preocupações.
Voltando ao nosso problema, dos escritores. Dá
um jeito aí, Fernando. Oficializa a coisa. Nos dê uma profissão,
com direito
a uma cidadania digna. Descola aí umas
leis de incentivo pra gente (mas que não caia nas mãos das
produtoras).
Não é nem mais por mim, que te peço
isso publicamente. Mas é por uma nova geração de escritores
que vem surgindo no
País. Inclusive com o gigantesco apoio
da sua esposa.
Não quero que o meu filho ouça a
vida toda a ressalva: "Mas escritor é profissão? Tudo bem,
mas, além de escrever,
trabalha com o quê?"
Só para te dar um exemplo de um país
onde o escritor é um profissional reconhecido pelas leis. E amparado
por elas. Na
Inglaterra, toda editora a publicar um livro,
tem que mandar um exemplar para cada biblioteca pública do país.
Claro que os
40 mil exemplares são comprados pelo governo.
Quem ganha? Em primeiro lugar o público. Ganha a editora, ganha
o
escritor. Ganha o País. Ganha a profissão.
O senhor poderá dizer que eu estou chorando
de barriga cheia, que eu vendo bem. Tudo bem, mas se eu não escrever
um
livro por ano até o fim da minha vida,
talvez eu não possa ajudar o meu filho que anda lá por Barcelona
tentando ser escritor.
Ou seja, morro de fome.
E para o Imposto de Renda, serei apenas mais um
assemelhado morto, um CIC a menos. Mas esta crônica, presidente,
não
vai morrer, não. Vão-se os dedos,
ficam os dígitos.
Quebra essa pra gente, FHC. Mesmo porque você
vai sair aí do Planalto Central e vai passar o resto da sua vida
a escrever
uns livros.
E não vai querer que na sua biografia para
o século seguinte alguém leia: "Ex-presidente da República,
no fim da vida
tornou-se importante assemelhado."
P.S.: Por fim, senhor presidente, já havia
escrito a crônica acima, já havia visto o senhor elogiando
os nossos craques e o
Felipão, logo após a maravilhosa
conquista dos nossos jogadores lá na Ásia. Pois logo depois
de ouvir suas palavras,
recebo um telefonema da produção
do Fantástico, da Rede Globo. Me diz o rapaz que eles estavam pedindo
para cinco
escritores brasileiros uma pequena crônica
de 30 segundos para ir ao ar logo mais. Fiquei envaidecido, presidente,
de poder
usar 30 segundos do Fantástico para cumprimentar
aquela garotada toda. Só que - acrescentou o rapazinho - não
tinha
cachê. Se eu não faria o trabalho
só pelo prestígio, senhor presidente. Será que esse
rapazinho sabe quanto o Fantástico
cobra por 30 segundos de comercial no domingo
à noite? Será que ele sabe que eu trabalho há 42 anos,
diariamente, para
viver de... prestígio? "
PROJETO DE LEI - PROFISSÃO: ESCRITOR
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - A profissão de escritor será exercida:
I. pelos diplomados em curso superior de Língua Portuguesa, ou qualquer outra Graduação Universitária;
II. pelos diplomados em cursos similares ministrados por estabelecimentos equivalentes no exterior após revalidação do diploma, de acordo com a legislação em vigor;
III.por aqueles que, embora não diplomados com curso superior, tenham notório saber literário expresso em obra publicada;
IV.por aqueles que, embora não diplomados, nos termos dos incisos I e II, venham exercendo até a data da publicação desta lei, a atividade de escritor comprovada e ininterruptamente, há pelo menos cinco anos.
Art. 2º – É atividade específica do escritor:
A redação de textos, em prosa e verso, na magna Língua Portuguesa, ou em outras línguas de compreensão universal;
Art. 3º – O exercício da profissão de escritor será exercido na forma do contrato de trabalho, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, ou como atividade autônoma, conforme a legislação vigente.
Art. 4º – O exercício da profissão de escritor requer registro em órgão federal competente, mediante apresentação de:
I – documento comprobatório de conclusão dos cursos previstos,
nos incisos I e II do artigo 1º, ou atestado de registro
bibliográfico e depósito legal
fornecido pela Biblioteca Nacional e/ou Bibliotecas Estaduais, nos termos
do inciso III do artigo 1º
II- Carteira de Trabalho e Previdência Social expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego;
Art. 5º – A comprovação do
exercício da profissão de escritor de que trata o inciso
IV do artigo 1º , far-se-á no prazo de
180 dias, a contar da data de publicação
desta lei.
Art. 6º – Esta lei entra em vigor na data
de sua publicação.
JUSTIFICATIVA:
Tem o presente Projeto de Lei a finalidade de
criar no Brasil a profissão de Escritor. O deputado que o subscreve
o faz na
qualidade de membro da Academia Paranaense de
Letras, inspirado em crônica lida no jornal O Estado de São
Paulo, na
manhã de 3 de julho de 2002, onde o escritor
Mário Prata alerta a Nação de que esta profissão
não existe.
Na crônica, publicada no Caderno de Cultura,
Mário Prata declara que, ao preencher a sua declaração
de Imposto de
Renda, "tenho de me dizer jornalista ou Assemelhado".
É assim que a legislação
brasileira trata, não apenas o Mário Prata, mas o Veríssimo,
o Ubaldo, o Loyola, o Mateus, o
Jorge Amado e o Machado de Assis. Assemelhados.
Mais uma injustiça cultural, entre tantas
que este país de ágrafos tem cometido com os nossos grandes
escritores. A
impecável crônica de Mário
Prata, na forma de carta ao presidente da República, motiva esta
iniciativa de lei. Peço ao
Congresso que a respalde, permitindo aos bafejados
pelo talento literário, a possibilidade de ganhar seu pão
cotidiano com
prosa ou versos.
Enquanto o mercado premia com notáveis
salários e direitos autorais os grandes publicitários, normalmente
não faz caso dos
talentos literários. A quem escreve, sempre
se pede que o faça de graça.
A criação da profissão de escritor pode ser um começo para mudança deste tipo de pensamento.
Para criação de uma nova categoria
profissional, onde, além do culto às musas, as letras sirvam
à invenção dos empregos,
ao mercado editorial, à difusão
da cultura, à indústria produtora de livros.
Perceba-se no nosso Projeto, que se garante a
liberdade de exercício da profissão de Escritor mesmo aqueles
não
diplomados – pedindo-se a estes, apenas que tenham
obra publicada registrada na Biblioteca Nacional e/ou Bibliotecas
Estaduais.
Assim, expressões culturais espontâneas
– tais como, escritores da literatura de cordel - que nasçam do
saber popular, de
vertentes distanciadas da norma culta, inspiradas
pela pureza de nossas raízes, poderão exercer o nobre ofício,
desde que
publiquem e registrem suas obras na Biblioteca
Nacional e nas Bibliotecas Estaduais.
A criação da profissão de
Escritor, depois de tantos anos da existência da Nação
Brasileira, e desta República, será,
certamente, importante reparação
das humilhações sofridas por tantos brasileiros e brasileiras
de talento, que se dedicaram a
servir a magna Língua Portuguesa, expressando
seus sentimentos através das letras.
E também ficaria vedado o chamado "cachê
simbólico", sempre mais humilhante do que uma esmola, que inúmeras
vezes as
grandes corporações soem oferecer
aos grandes talentos literários.
Ao criá-la, no dizer de Mário Prata,
este Congresso responderá a triste ressalva: "Mas escritor é
profissão? Tudo bem, mas,
além de escrever, trabalha com o quê?
"