"Os Sofrimentos do Jovem Werther" ( de 1744) é obra cuja narrativa é feita através de cartas, por um homem, o próprio Werther, que escreve para
o amigo Wilhelm, que mora em sua cidade natal, falando do seu amor por Charlotte, noiva de Albert. Na vida real, o nome dela é uma referência a Charlotte Buff, por quem Goethe foi apaixonado e que lhe inspirou o Werther.
12 de dezembro.
Caro Wilhelm, encontro-me no mesmo estado daqueles infelizes que parecem
estar possuídos por um espírito maligno. Isso me acomete
às vezes; não é medo, nem desejo... é uma fúria
interior, desconhecida, que me dilacera o peito, que me aperta a garganta!
Ai Ai! E, então, vagueio por entre as terríveis cenas noturnas
desta época misantrópica.
Ontem à noite tive que sair. Tinha escutado que o degelo, de repente,
começara, que o rio transbordara e todos os riachos encheram o meu
querido vale e de Wahlheim em diante estava tudo inundado! Já passava
das onze horas quando corri até lá. Foi um espetáculo
terrível ver de cima do rochedo, ao luar, as ondas revoltas, rolando
pelos campos e prados, pelos arbustos, fazendo daquele vale imenso um lago
tempestuoso, entregue ao sibilar dos ventos! E quando então, a Lua
ressurgiu por cima de uma nuvem negra com o seu brilho terrivelmente magnífico,
diante de mim as águas rolavam e rugiam; o pânico apossou-se
de mi e novamente a tentação! Ah! Fiquei ali de braços
abertos diante do abismo, olhando para baixo! Para baixo! E perdi-me na
deliciosa idéia de ali precipitar os meus tormentos, a minha dor,
e bramir como as ondas! Oh!... você não é capaz de
erguer o pé do chão e dar fim a todos os tormentos!... A
minha hora ainda não chegou, sinto-o! Oh! Wilhelm! Como daria de
bom grado a minha essência humana, para despedaçar as nuvens
com esse vento tempestuoso e conter as águas! Ah! Esse deleite não
será concedido, talvez um dia, ao encarcerado?
E como foi doloroso olhar para o lugar onde descansara com Lotte, debaixo
de um salgueiro, depois de um caloroso passeio... também estava
inundado e quase não reconheci o salgueiro! Wilhelm! E os seus prados,
pensei, e os arredores da sua casa de caça! Como o nosso caramanchão,
pensei, deve ter sido desfigurado pela torrente impetuosa! E um raio de
sol do passado brilhou em minha alma, assim como um prisioneiro sonha com
heróis, prados e honrarias. Fiquei parado! Não me censuro,
pois tenho coragem de morrer. Deveria... Agora estou sentado aqui como
uma velha que tira a lenha das cercas e o pão das portas, para aliviar
e prolongar por mais alguns momentos a sua vida agonizante e miserável.
Goethe
Tradução de Erlon José Paschoal
Do livro: "Os sofrimentos do jovem
Werther", Círculo do Livro, 1988, SP