Uma simples carta

Amor da minha vida:

     Esta é uma carta simples, uma mensagem direta: ponte entre meu e o teu coração.
     Esta simples carta falará por mim e, para tanto, cria vida: possui corpo, formas, contornos e se alimenta das palavras que ela encerra.
     Caminha, a cartinha, com as próprias pernas e, pés descalços ou de salto: sempre pisando em ovos quando o assunto é você (por medo de te perder).
     É uma tímida carta (por vezes, atrevida). Tem vontade própria, qualidades e defeitos e é despojada de preconceitos. A matéria-prima que a contém vai além da celulose: ela respira, transpira, suspira, tem artérias e veias : do coração ao coração viaja (cheia de dedos) e, delicadamente, inocula vida e poesia em seu peito, onde amor circula numa estreita via arejada de preceitos.
     Esta carta é feminina: foi menina, desabrochou, floriu mulher (um pouco infantil ainda). É amiga, companheira, conselheira e sabe manter segredos.
     Os cabelos perfumados e levemente ondulados desta carta anseiam por tuas mãos: trêmulas ao lê-la, firmes ao tocá-la, fortes ao mantê-la aprisionada entre os dedos.
     Esta carta insone, dorme o suficiente para dar descanso à alma e aliviar o peso dos ombros. Sonha acordada e anseia adormecer no ninho do aconchego de teus braços. Fantasiosa, vê azuis em dias cinzas e sóis em lua cheia. Noturna, namora a madrugada e flerta com as estrelas, pedindo à elas uma chuva carregada de beijos cadentes iluminando tua janela.
     Esta carta tem o dom de encantar: canta, sorri, conta estórias engraçadas e piadas: tudo para espantar o mau-humor que, porventura, tome conta de ti.
     Carta que fala sozinha e, pensativa, perde-se no olhar, pode parecer tresloucada, mas que nada! É uma carta solitária que confessa às pareces (suas confidentes) sua mais doce loucura: te amar! Ela mora nas alturas, levita, flutua e alça vôo nas asas da imaginação, onde sabe: irá te encontrar.
     Esta carta se banha de espumas, veste-se de plumas e tem alma poética. Se reveste de leveza para que o vento possa soprá-la até Rio Preto, no intento de senti-lo perto, bem perto.
     É explícita esta carta: revela-se, desnuda-se, se expõe sem medo de parecer patética. Vez ou outra compõe (e te propõe) um acordo tácito nas entrelinhas.
     Ela arrisca e aposta no amor (seja lá como for) e já fez sua escolha. Às vezes é arisca, mas geralmente é dócil e flexível: fina e transparente como se escrita em folha de seda.
     Esta carta, amarelada e corroída pela ação do tempo, está sendo restaurada com dedicação e afeto: adquirindo nova cor, se recompondo; está praticamente legível.
     Segue a missiva agora, envelopada num misto de recato e lascívia. Está lacrada para o mundo, mas aberta à você, destinatário de todo o seu conteúdo. Sendo itinerante, irá ao teu encontro onde quer estejas amanhecendo para a vida.
     Por fim, apenas saiba que boas intenções tem o texto desta carta, que não pede nem ordena, apenas oferece: sem rasuras, sem lacunas, o seu humilde contexto.
 
     Selo a carta com um beijo.

     Valéria
     p.s.: Era para ser uma carta simples: sem pé, nem cabeça, sem alma, sem pretexto e postada nas estrelas (minhas mensageiras), mas me vejo inteira registrada nela.
 

Valéria Tarelho

 
 
 

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