Göttingen, 11 de junho de 1914

             Meu velho e querido Rainer, – saiba você, chorei terrivelmente lendo sua carta, que estava ridícula, mas nós podemos, às vezes, impedirmo-nos de ver a vida acolher desta maneira os mais preciosos de seus filhos. Eu o acompanhava com todos os meus pensamentos – se é que se pode chamar isto “acompanhar”, quando nos perguntamos a cada dia onde se pode encontrar alguém: se este subiu para as alturas até os confins da humana atmosfera, ou se caiu no fundo de uma cratera, debatendo-se entre os mil fogos que nunca queimaram no seio da terra. Quando você me escrevia a respeito de minhas “Cartas”, com toda espécie de “s” tornando-as alegremente loucas, parecia-me concebível que um período produtivo tivesse lhe invadido, provocado por alguma experiência afetiva; e é sempre este o momento em que um terrível perigo parece tão próximo quanto uma grande vitória. É fácil então, para certas almas, sacrificar um nada de produtividade que lhe viesse a favor de uma experiência fortemente vivida; e, em certas ocasiões, outras, criadoras por natureza, conseguissem fazer o inverso; mas acontece que muito mais freqüentemente, sem dúvida, as duas tendências se encontram na metade do caminho e morrem por estarem mutuamente destruindo a estrada. Mas – embora desta vez você seja o único responsável por esta morte, pois você não tem motivos para desculpas, nem álibis – uma coisa entretanto fica fora de dúvidas: a maneira como você ressuscita isto em suas palavras é exatamente, oh! é exatamente a antiga, a íntegra potência que dá vida àquele que está morto – e, além do mais: o luto provocado pelo acontecimento é aquele de uma alma cujo sentimento mais sutil, mais interior, em nada saberia ser mais inocente do que te acusas. E, no entanto, é você mesmo – como é você também que em um momento qualquer é incapaz de trabalhar ou o faz negligentemente. E certamente você não tira nada, e nem pode tirar, do fato de que este, apesar de tudo, não é você, pois não saberíamos nos alimentar do pão fechado em um armário, não mais que nos nutrimos da espera dos grãos do trigo a colher nos campos. É porque, se padeci por este motivo, eu padeceria novamente como uma outra espectadora, que ao mesmo tempo fica comovida com o pensamento de que o pão e os frutos do campo existem. Eis o que resta agora sob o “vidro duro e frio da vitrine”; você não o possui, e o vidro reflete a você mesmo. Portanto, estava aí uma prova da grandeza de suas propriedades, e como você quase não as conhecia sob este aspecto – sua profundidade, sua riqueza, – do mesmo modo elas ainda têm a lhe oferecer outras, das quais você não poderia, mesmo hoje, suspeitar, e das quais qualquer coisa muito mais fina que o vidro lhe encobre a visão. Mas para que servem todas estas palavras? No momento você nada experimentará de diferente, se isto é apenas algo de fino ou denso que lhe separa da vida, e toda palavra contrária é estúpida, tola e impotente.

Lou Andréas-Salomé

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