Meu Amigo,
Se o sol, quando tramonta, desparecesse de todo, o mundo pareceria gelado. O calor do astro, sob a cinza da noite, é que mantém a vida na sua continuidade perene.
Quem diz, falando de um ente extincto - morreu - nunca verdadeiramente o amou. Se na ausência entrasse o esquecimento, andaríamos sempre a refazer a união, porque a vida é um ir e vir constante como o das ondas. Mas para o verdadeiro amor o tempo é como o infinito, que não se mede, e nelle vale tanto um minuto como as eras.
O amor, na sua verdadeira significação sublime, é o sentimento absoluto e, como sentimento, é alma sendo, por sua origem, immortal.
O que se quebrou na pedra do sepulcro foi o vaso da perfeição; a essência, essa, impregnou-se-te n'alma, fundindo-se, para o todo sempre, no teu próprio eu.
Quando a ouvias nas suas palavras carinhosas; quando lhe fitavas o
olhar em que se reflectiam as virtudes, não era o vulto de mulher
que te encantava, a forma humana, airosa como o lírio do Evangelho,
mas o espírito, e esse não teve o túmulo porque
sua voz ficou no teu coração, o seu olhar fixou-se em tua
alma e, onde quer que estejas, no silencio ou no rumor, na claridade ou
na treva, hás de ouvir a harmonia meiga que se abemolava para acariciar
teu nome, hás de ver a luz doce que irradiava
como a aureola da tua vida.
Assim, ella vive e, mais do que nunca, comtigo, não mais em tua companhia, como tua sombra, mas em ti mesmo, como tua alma. Deus, quando nos assoprou o seu Espírito, deu-nos um pouco de eternidade e essa partícula divina, que em nós temos, chama-se memória. É como um ramo de folhas sempre verdes em que se abre a flor immarcessivel da saudade cujo perfume é um filtro que nos transporta ao Passado e ressuscita os mortos.
Antigamente ella vivia num corpo e só te apparecia quando estava presente. Hoje ella vive em tudo que te cerca: a tua casa, o teu coração, o espaço, as horas todas estão cheias della. O mundo tornou-se todo elle um espelho em que ella se reflecte e, onde quer que teus olhos se fitem, ahi verás a imagem adorada que te acompanha, como o próprio Deus omnipresente.
Choral-a! Porque? Nas lágrimas desfazes o coração, que é o seu relicário e, gotta a gotta, vais diluindo a lembrança, que deve ser perpetua.
Conserva-a na saudade, e quando, nos teus êxtases de esposo enamorado, quizeres vel-a, volve sobre ti mesmo, olha para dentro de ti e hás de descobril-a fazendo na morte a caridade amorosa de consolar-te como na vida - e não foi outra a sua missão na terra - mitigava piedosamente as dores dos pobrezinhos.
A imagem rolou do altar, mas a fé subsiste.
Eleva o coração, meu amigo, eleva-o bem alto, até Deus, e lá verás, no esplendor ethereo, aquella que foi o amor, a doçura, o anjo do teu lar.
Coelho Netto
Enviado por Clarisse de Oliveira