Barris, Meio-dia.
Caríssima:
Agora é uma nova vida. Como vou começá-la? E o que vai ser dela? Não tenho muito estímulo; nem paixão; apenas a aflição do vazio. Por que encontrar forças para continuar debatendo-me como uma mariposa encantada com a luz artificial? Por quê continuar? Para não afundar na areia movediça agarro-me a pequenas coisas, esboços palavras inúteis no papel, podo as orquídeas, reforço a comida domeu gato Caetano, ouço uma música atrás da outra e todas me parecem idênticas. Nada parece ter alguma importância. Meu Deus, como gostaria de desligar a mente e nada pensar, nada sentir durante alguns dias. Uma cabeça que pensa é como um perpétuo fenecer & renascer de uma planta. Preciso eliminar a precisão espacial & temporal. Tudo pode estar além da janela: a chuva, o vento, as nuvens cinzentas, o mar. Tudo é canhestramente simbólico. Onde as ilhas de luz? As ilhas que protejam das ondas revoltas: a própria vida prosseguind o. Joan está arrumando as malas dele. Ele está me abandonando. Cinco anos de um relacionamento que parte como uma folha seca levada ao vento. Desta vez não há retorno. Minha reação é de compreensão, de conversação, de aceitação, de tolerância, merda! Nenhuma briga, nenhuma agressão, nenhum conflito. Não moverei um dedo, não direi uma palavra para tentar modificar o inevitável. Tudo é um grande silêncio e uma imensa dor como nos filmes de Bergman. Ontem ele chorou tanto que soluçou e eu não soube o que fazer; hoje eu choro defronte ao computador, pois este me parece mais humano e solidário do que qualquer outra coisa. É o amor que vai embora. Mas para onde vai o amor? E se vai, por que me aniquila, por que inutiliza todas as coisas ao meu redor? Eu quero as fontes da vida: a expressão dela mesma. Eu não quero olhar uma flor e não ver a flor. Estou desorientado & esquisito, e de verdade que não me preocupo muito com o fim do nosso relacionamento de tantos anos, acho que tudo tem o seu tempo e os deuses sabem o que fazem, mas não suporto esse profundo pânico. Estou me dando conta que nada é realmente importante, e isso é um demônio que não se ajusta. Agora a chuva parou de cair e eu ainda choro, minha amiga. Ontem à noite a viúva do Torquato Neto, Ana Maria, telefonou do Rio de Janeiro elogiando o texto que escrevi sobre o companheiro dela. Uma voz melancólica e cansada, e eu com todo esse deserto n`alma fiquei ainda mais abatido, senti Torquato dentro do meu coração. Para não enlouquecer andei pela cidade de São Salvador, quatro horas andando sem destino, de sandália havaiana, atormentado, incrivelmente mal-vestido. Logo eu que cuido tanto da aparência pessoal. Mas agora é uma nova vida. Como vou começá-la? E o que vai ser dela? Ah, querida, desculpe a aflição, mas precisava desabafar para não gritar, e não se preocupe, tudo passa, tudo mesmo. Voltarei a ser uma bromélia encravada na rocha, envolvida, encharcada, reluzente, inspirada, animada & por fi m completa. Assim será na terra como no céu. Assim será, não?
Um beijo e todo o meu amor.
Antonio Júnior