Meu caro Machado
Muito agradecido por suas
felicitações e por seu livro ¹ que já tinha sorvido
na fonte. V. sabe que sobre mim sua pena tem o poder de um condão
e como V. me pode vivar no que bem lhe parecer recomendo-me à sua
bondade. O Graça diz-me que V. daqui a uns nove dias vai remoçar
de um ano ². Apesar de não chegar a tempo da festa que
as Várias hão de ter anunciado aos amigos, suponha que o
festejarei com um bom copo da bica da Rainha, que é para nós
brasileiros na Europa a bebida por que suspiramos
Muitas lembran~cas afetuosas do seu muito sinceramente dedicado
Joaquim Nabuco
Não deixe morrer a Academia. V; hoje tem obrigação de reuni-la e tem meios para isso, ninguém resiste a um pedido seu; Será preciso que morra mais algum acadêmico para haver outra sessão? Que papel representamos nõs então? Foi para isso, para morrermos, que o Lúcio e V. nos convidaram? Não, meu caro, reunamo-nos (não conte por ora comigo, esperemos pelo telefone sem fios) para conjurar o agoiro, é muito melhor. Trabalhemos todos vivos.
Joaquim Nabuco
Brazilian Legation
London
Dez, 6, 1901
Meu caro Machado,
Aí vai o meu voto.
Dou-o ao Afonso Arinos por diversos motivos, sendo um deles ser a vaga
do Eduardo Prado. Para a cadeira do Francisco de Castro eu votaria com
prazer no assis Brasil ³. Por que não reuniram as eleições
num só dia? V. sabe que eu penso dever a Academia ter uma esfera
mais lata do que a literatura exclusivamente literária para ter
maior influência. Nós precisamos de um certo número
de grands seigneurs de tosos os partidos. Não devem ser muitos,
mas devemos ter, mesmo porque isso populariza as letras.
V. agora está meu
devedor de muitas cartas. Eu lhe perdôo, porém, a dívida.
Escreva-me por todos os motivos, sabe o prazer que me dá sua letra,
mas não para responder. A resposta em cartas com diferença
de meses é absurda. As cartas não devem viver tanto tempo
assim.
Saudades a todos e creia-me
sempre
Seu velho amigo e velhíssimo
admirador,
Do livro: "Machado de Assis & Joaquim Nabuco - Correspondência", org., introd. e notas de Graça Aranha, ABL e Topbooks (1ª ed. 1923), 3ª ed., 2003, RJ
_________________
¹ Dom Casmurro - Joaquim Nabuco e Graça Aranha
leram em Paris as provas deste romance por uma infidelidade do editor,
que violou um dos preceitos de Machado de Assis de não revelar os
seus livros, antes de impressos, mesmo aos mais íntimos
² Machado de Assis nasceu a 21 de junho de 1839,
no Rio de Janeiro.
³ Na realidade Afonso Arinos foi o substituto de
Eduardo Prado, seu diretor no órgão monarquista Comércio
de S. Paulo, e a quem estava ligado por parentesco. Francisco de Castro
foi substituído por Martins Júnior.