Após os dois deliciosos serões de ontem e anteontem, certamente não sairei esta noite, vou me sentar aqui e escrever a você. Além disso, minha Adèle, minha adorável e adorada Adèle, quanta coisa tenho a dizer! Oh! Deus, há dois dias que me pergunto a todo momento se tal felicidade não é um sonho. O que sinto não parece ser da Terra. Ainda não consigo compreender este céu sem nuvens.
Você ainda não sabe, Adèle, ao que me havia conformado. Ai de mim! E eu sei? Porque era fraco, imaginei-me calmo; porque me estava preparando para todas as loucuras do desespero, julguei-me corajoso e resignado. Ah, deixe-me cair humildemente aos seu pés, você é tão generosa, tão terna e tão forte! Estive pensando que o limite máximo da minha devoção só podia ser o sacrifício da minha vida: mas você, meu generoso amor, estava pronta a me sacrificar o repouso da sua.
Adèle, a que insanidades, a que delírio não se ia entregando o seu Vítor nestes intermináveis oito dias! Às vezes estava decidido a aceitar a oferta do seu amor admirável; achava que, se fosse levado ao extremo pela carta de meu pai, poderia levantar algum dinheiro e levá-la – a você, minha noiva, minha companheira, minha esposa – para longe de todos os que nos querem separar; achei que pudéssemos atravessar a França, eu como seu marido, e ir a outro país, onde nos dessem os nossos direitos. De dia viajaríamos na mesma carruagem, de noite dormiríamos sob o mesmo teto.
Mas não pense, minha nobre Adèle, que eu me aproveitaria de tanta felicidade. Não é verdade que nunca me atribuiria a infâmia de pensar em tal coisa? Você seria o objeto mais digno de respeito, a criatura mais respeitada por seu Victor; poderia até dormir no mesmo quarto sem temer que ele a alarmasse com um toque ou mesmo com um olhar. Eu apenas dormiria ou ficaria em vigília sentado numa cadeira ou estendido no chão ao lado do seu leito, sentinela do seu repouso, protetor do seu sono. O único direito de esposo a que este seu escravo aspiraria seria o de proteger, até que um sacerdote lhe concedesse os outros...
Adèle, oh! Não me odeie, não me despreze por ter sido tão fraco e abjeto enquanto você era tão forte e sublime! Considere a minha situação aflitiva, a minha solidão, o que eu esperava de meu pai; considere que por uma semana julguei perdê-la, e não se espante da extravagância do meu desatino. Você – uma criança – foi admirável. E penso que seria lisonjear um anjo compará-la com ele. Você foi privilegiada ao receber todos os dons da natureza, a firmeza e as lágrimas. Oh! Adèle, não confunda estas palavras com cego entusiasmo – entusiasmo por você sempre o tive e crescerá a cada dia. A minha alma inteira lhe pertence. Se toda a minha existência não fosse sua, a harmonia do meu ser ter-se-ia perdido e eu teria morrido – morrido inevitavelmente.
Era nisso que pensava, Adèle, quando me chegou a carta que devia trazer a esperança ou o desespero. Se me ama, sabe qual foi a minha alegria. Não descreverei o que deve ter sentido.
Minha Adèle, por que não há outra palavra para isso a não ser alegria? Será que por não haver força na lingüagem humana para exprimir tamanha felicidade?
O repentino salto de melancólica resignação para a infinita felicidade parecia perturbar-me. Mesmo agora ainda estou fora de mim e às vezes tremo de despertar deste sonho divino.
Oh, agora é minha! Afinal é minha! Breve, dentro de alguns meses talvez, meu anjo irá repousar em meus braços, despertar em meus braços, viver aqui comigo. Todos os seus pensamentos em todos os momentos, todos os seus olhares serão para mim; todos os meus pensamentos, todos os meus momentos, todos os meus olhares serão para você! Minha Adèle!...
E agora você me pertencerá! Agora poderei gozar na terra a felicidade celeste. Vejo-a minha jovem esposa, em seguida uma mãe extremosa, mas sempre a mesma, sempre a minha Adèle, tão meiga, tão adorada na castidade da vida conjugal como nos dias virginais do seu primeiro amor - responda-me querida - diga-me se pode conceber a felicidade de um amor imortal na união eterna! E esse será o nosso amor por um dia...
Minha Adèle, nenhum obstáculo poderá levar-me a coragem agora, nem no que escrevo nem em minha tentativa de obter uma pensão, pois cada passo que dou para triunfar numa e noutra coisa me aproxima de você. Como qualquer coisa poderia agora me parecer penosa? Não me atribua tamanha fraqueza, imploro. Que é um pequeno esforço, quando se conquista tanta felicidade? Não implorei ao céus milhares de vezes que me deixasse possuí-la à custa de meu sangue? Oh, como sou feliz! Como vou ser feliz!
Adeus, meu anjo, minha adorada Adèle! Adeus! Beijo seus cabelos e vou para a cama. Ainda estou longe, mas posso sonhar com você. Talvez muito em breve esteja a meu lado. Adeus, perdoe o delírio de seu marido, que a beija e adora nesta vida e na outra.
O teu retrato?