Uma carta de Amor
Ravensbrück, Páscoa de 1942
Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças - ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar,como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte.
Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-ia, mesmo que não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver-me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro debaixo das cobertas para que ninguém me ouça, pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijo-os pela última vez.
Olga
Olga Benário
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*A personalidade de Olga Benário, a jovem comunista alemã de origem judaica, a militante e combatente que se apaixonou pelo Cavaleiro da Esperança, Carlos Prestes, sobressai como uma fulgurante flama romântica no sombrio episódio brasileiro que a levaria à morte. De princípio ao fim, ela aparece inteira no seu relevo dramático, no seu inamovível apego ao ideal, certo ou errado, que lhe dava sentido à existência. Registra -se o episódio culminante em que ela, ao serem presos , cobriu o corpo do seu companheiro com o seu para o salvar das balas da polícia, que tinha ordem de atirar para matar. Em seguida o governo de Getúlio Vargas deporta-la, grávida, para a Alemanha de Hitler, onde morreria em um campo de concentração. A filha Anita , graças ao empenho de Dona Leocádia, mãe de Carlos Prestes, é entregue à avó e à tia que a levam da Alemanha. Essa carta foi escrita por Olga na noite da sua viagem para Bernburg, onde seria executada juntamente com mais de 200 mulheres na câmara de gás da cidade. Olga soube viver e morrer como uma autêntica mulher guerreira.
Enviado por Ruy Werneck de Capistrano