MEU EMINENTE AMIGO Dr. WASHINGTON LUÍS
São dez horas da manhã. Na praça em que está situada a igreja de Santa Cecília, lia eu o Estado de S. Paulo e quedei-me a completar, a examinar a gravura representativa das armas da cidade criadas pela sua nobre e inteligente iniciativa. Deu-se nessa ocasião a coincidência de uma emoção profunda ligar-se à impressão de entusiasmo com que lia a explicação do admirável símbolo desta amada Paulicéia, onde venho todas as vezes que as circunstâncias mo permitem ou que uma saudade mais intensa mo exige. De que essa minha freqüência aqui é motivada somente por amor à terra e por fundos afetos que nela tenho, ninguém pode duvidar, pois com o meu longo convívio na imprensa do Rio, nunca me viram nesta cidade, exemplo, entrar numa Secretaria de Estado, numa repartição qualquer, para propor um negócio ou solicitar uma propina. Não vai nisto a menor desconsideração pelos homens públicos, dirigentes na política e na administração. Sei dar-lhes o justo valor, admiro-os nos limites da minha independência de julgar, mas não os procuro, não só para não ser importuno como, porque dentro da minha indestrutível casca de provinciano e de paulista júnior, como paranaense que me prezo de ser, sou um desconfiado e não desejo de modo algum confundir-me com certos assíduos freqüentadores de São Paulo e das repartições públicas. Voltemos, entretanto, à razão de ser desta fastidiosa carta.
Lia eu a explicação das armas da cidade e dava intimamente expansão ao meu entusiasmo, quando, pela segunda vez na minha vida e depois de vinte e cinco anos decorridos vi, saindo da igreja de Santa Cecilia, uma figura de ancião paulista que, bem o sei, é pela crença, pela probidade, pelo árduo e profícuo labor quando moço, o tipo característico desta maravilhosa raça regional, nascida e alimentada na fé na honradez e no trabalho. A emoção que me produziu o encontro dessa figura veneranda e sagrada para mim, entrechocando-se com aquele surto de entusiasmo de que acima falei, deu a essa pobre lira desconjuntada pela velhice, a vibração necessária à fatura desse mau soneto que lhe envio e que ainda sem licença, me permiti o direito de oferecer-lhe.
Aceite-o como um a prova do muito que lhe quer o seu amigo e admirador.
São Paulo, 11 de março de 1917
Emílio de Menezes
Do livro: " Obra Reunida", Livraria José Olympio, 1980, RJ.