LUÍS DA CÃMARA CASCUDO A HELOÍSA MARANHÃO
Natal, 23 de setembro de 1979.
Heloísa Maranhão, menina querida. Gratíssimo pela afetuosa missiva. Sua presença é uma visão diária no Sobradinho. Encantou-me a Rainha morta. Clara. Harmoniosa. Vibrante. Enternecedora. A queridíssima Bá é que poderia ter modificado a tragédia, cujo fatalismo os séculos prescreveram. Bá, com os encantos africanos dos Orixás benfazejos, aniquilaria os três sicários, salvando a linda Inês. Uma berlinda, escoltada de guerreiros nagôs emplumados e soberbos, levá-la-ia para a serra do Sintra, aguardando a vinda amorosa de D. Pedro. Por que Bá não fez o milagre lógico? Seria uma modificação útil. Por que o deus Kronos, o Tempo, não altera o determinismo sinistro das tragédias? A oportunidade é esta, dependendo da Heloísa, que significa a destemida, a indômita, a guerreira, a denodada. Salve Dona Inês e mate os três sicários do Rei Afonso. Avante, Heloísa querida.
Beijo na mãozinha, envia o seu
Luís do Sobradinho
Luís da Câmara Cascudo
Do livro: "Cartas do Coração - Uma antologia do amor", organização Elisabeth Orsini, Rocco, RJ, 1999