DUAS CARTAS
Carta de Amor Número 3
Mais uma noite amado...
Eu aqui perdida na madrugada. O quarto tão cheio de lembranças que não tenho nem espaço por onde andar para acompanhar a minha insônia. A memória seletiva, cansada, desbotada e enfastiada; guarda da vida o essencial: o cheiro do seu corpo, o som grave da sua voz, a cor branca da sua pele, o fogo que emana dos seus olhos...
A voz silencia, mas o coração não cala. Para que eu saiba de você, ouça a musica festiva ou lamento do seu coração, só preciso ler as entrelinhas dos poemas escritos pelas suas mãos. E cada pedra que rola de você em minha direção, rala-me no peito algum despeito, que já nem sei falar de paixão!
A dor com o tempo torna-se tão inodora quanto o creme anti-transpirante, esquecido no armário do banheiro junto com o pincel -de pêlo daquele bicho que não lembro o nome - que você usava pra espalhar o creme de barbear, por que “espuma de barba em spray é muito impessoal”.
Começa a amanhecer, lágrimas teimam em cair e eu mato com elas a sede dos pássaros que despertam para um novo dia. Olho para o céu, vejo que a liberdade é azul e para que o tempo não me roube de todo o que tenho e sou por dentro, eu guardo ao cofre das minhas lembranças os segredos do coração.
Cigana desejosa de saber o próprio destino eu observo com calma e paciência as palmas das minhas mãos. A linha da vida, da cabeça, do coração, do destino e secundárias... Infelizmente, nem um traçado mostra futuro para nós dois! Mas, não tenho culpa em amar a mais ou a menos, além ou aquém do quê seria o necessário... Ou tenho?
Ainda sinto saudades, porém elas já entraram no barco que começa a desatracar do cais...
Beijo na boca,
B.
Carta Sobre Cartas
Meus queridos,
Que saudades do tempo que eu escrevia e recebia cartas!Cartas de verdade. Daquelas que o carteiro trás em envelope verde amarelo cheio de selos coloridos. Aquelas que traziam de longe, além das notícias, um pouco do perfume das mãos de quem a escreveu...
Saudade de ficar na angustiante espera do carteiro e sua passagem perguntar:
- Alguma coisa para mim, seu Jorge?Pular de alegria com uma resposta positiva e arder de decepção por uma negativa.
No dia seguinte, marcar ponto de novo no portão até a ardorosamente desejada chegar. Correr pelas escadas, o coração aos saltos. Na porta trancada do mundo adolescente que meu quarto abrigava, no silêncio, deliciar-me com meu presente. Ouvir o barulho do fino papel pautado a dançar em minhas mãos, a sensação de seda aos dedos, enquanto a caligrafia conhecida penetrava minha retina e formava imagens dos acontecimentos e afetos neles descritos.
Não lembro mais quando recebi a última carta. Todos os dias meu coração dispara, floresce de alegria ou neva da tristeza diante da centena de e-mails em minhas caixas. Nenhum deles trás o perfume do remetente, nem o calor das suas mãos ou a sua saliva no lacre.O carinho vêm com figuras bonitas, divertidas. Músicas, poemas ou despedidas, onde as imagens falam mais que as palavras, que davam à vida nas minhas antigas e saudosas cartas.
Alguns de vocês devem ser muito jovens e talvez nunca tenham recebido uma carta de alguém bem distante. Quem viveu e for saudosista, saberá do que eu estou falando!
Bjins e cheirins,
Betha.
Betha M. Costa