Lorena, 19 de outubro de 1902
Escobar
Respondo a tua carta, agora recebida. Pilhérico sonho, o teu... Ministro! Ministro da Viação este teu pobre amigo! Só mesmo em sonhos... Mas queres saber de uma coisa? Prefiro ser realmente ministro nos breves minutos de um sonho, ocupando a imaginação de um amigo, do que o ser, de fato, nesta terra onde não há mais altas e baixas posições... Minado tudo.
Tenho passado mal. Chamaste-me a atenção para vários descuidos dos meus Sertões; fui lê-lo com mais cuidado e fiquei apavorado! Já não tenho coragem de o abrir mais. Em cada página o meu olhar fisga um erro, um acento importuno, uma vírgula vagabunda, um (;) impertinente... Um horror! Quem sabe se isto não irá destruir todo o valor daquele pobre e estremecido livro? Manda-me dizer daí algo a respeito. Imagina que lá encontrei à fa/câo, à pranchada, braço à braço, tempos à tempos, etc. etc.
Não te posso dizer como fiquei. Por fim abrindo, ao acaso, depois do jantar, uma página, encontrei isto: "Não iludiu à história..."
Não te descrevo o que houve! Quer isto dizer que estou à mercê de quanto meninote erudito brune as esquinas; e passível da férula brutal dos terríveis gramatiqueiros que passam por ai os dias a remascar preposições e a disciplinar pronomes!
Felizmente disseram também que o Victor Hugo não sabia francês.
Vou escrever ao Laemmert para reduzir quanto possível, a primeira edição, se houver tempo.
Minal, egoisticamente, falei-te só no que me dizia respeito. Desculpa-me; e escreva-me logo. Quero que venha daí, de longe partindo dessa boa alma de velho companheiro, uma palavra que me anime um pouco.
Adeus. Recomenda aos teus — o velho amº.
Euclides
O Napoleão de Roseberry... Extraordinário.
Euclides da Cunha