Arthur Dapiéve:
Não sei se todos os cronistas entendem de passarinhos mas , inspirada naquele mineiro, resolvi escrever pra você, cronista, escritor de mão cheia, pois quem sabe como ele ou como o Tom, você entenda de. Talvez eu ache que possa entender por causa da nossa rua cheia de árvores e pássaros e – novidade carioca – micos. Tão perto a natureza, tão íntima a convivência com ela, fiquei pensando, pensando, e resolvi perguntar se você entende desse assunto porque está acontecendo uma coisa muito esquisita em minha casa.
Explico: há algum tempo atrás um passarinho (que passarei a chamar de “passarinha”) que , como não entendo, não sei de que espécie é, resolveu fazer um ninho num dos vasos suspensos da minha varanda. Tudo bem, a samambaia estava seca, quase morta, bobeira nossa, comprendi a escolha da bichinha e fiquei toda orgulhosa pelo fato, vibrei quando nasceu o filhote como se fosse um neto, acompanhei a alimentação do pequenino, os cuidados da mãe, as aulas de vôo , mas não vi o dia em que se foram embora.
Bom, o tempo passou e uns anos depois percebi que noutro vaso, noutra samambaia uma passarinha havia construído um ninho e passava horas nele, chocando seus ovos. Ora, esta planta não estava seca nem eu a queria morta, é uma “chorona”. Se amo as samambaias e avencas, que , aprendi, em Portugal chamam de “fetus”, se as respeito porque são as mais antigas plantas do mundo, chegaram antes de nós, adoro “choronas” ainda mais quando têm aquelas folhas de dois metros ou mais, arrastando no chão como saia de sinhá moça. Resolvi que não perderia a samambaia por causa da passarinha. E a ordem e a ação foi: nada de deixar de molhar bastante a samambaia! A passarinha que se fosse pois não fora convidada. Invasora ela, cheguei a crer que fizesse parte do MST pois não pagava aluguel, não pedira licença, nem nada, se aboletara na minha planta, na minha varanda, se convidara, e se estabelecera. Ah, é? Pois se era guerra, era guerra. Continuamos a molhar as plantas normalmente. Notei que às vezes a molhávamos diretamente e então ela saía voando. Da primeira vez pensei que havia ido embora. Dias depois percebi que voltara.
As coisas ficaram assim. Ela era molhada e, às vezes voava, às vezes permanecia. Parecia que sabia que era só uma chuvinha que durava pouco. Saía voando, eu penso, quando a força da água da mangueira a atingia.
Um belo dia, outro filhote. Não paramos de regar as plantas. E a natureza seguiu seu curso.
Deve ter, desde a primeira vez, uns seis anos ou mais. Na segunda samambaia já deve ter quatro anos.
No entanto, e aí mora o mistério, o ninho ficou mais alto como se cheio de várias camadas de palha e tornou-se moradia permanente, isto é, entra ano, sai ano, sempre tem uma passarinha (ou uma filha, prima, sósia ou aquela mesma pois não sei quanto tempo duram os passarinhos) morando lá. Nem sempre tem filhote novo e sempre molhamos o ninho e quem estiver no momento da réga. Mas ela(ou elas) volta(m) logo a seguir.
Não sei se existem passarinhas neuróticas ou histéricas a ponto de, como acontece com algumas mulheres, criarem uma situação dessas imaginária . Afinal, não me consta que passarinhos tenham imaginação.
Mas tudo isso é uma realidade doida para a qual já tentei achar explicação perguntando a um e a outro mas não cheguei a nada.
Por acaso você sabe algo sobre isso? Ou tem a quem perguntar? Será que as neuroses que atacam a população urbana estão se estendendo aos animais?
Se conseguir me explicar, por favor, me explique!
Muito obrigada,
Marcia Agrau