Carta a um enviado de Portugal na Corte da Inglaterra

          Meu amigo e senhor. — Estimo as notícias de Vossa Senhoria, e lhe dou o parabém de ter chegado felizmente a essa côrte, aonde se acha livre de animais que o molestavam, e goza da liberdade que Deus conferiu ao homem, sem ofender os preceitos de sua lei.
          Os Inglêses ignorantes aborrecem os católicos, sem saberem o porquê; mas os bem instruídos e civis são excelentes para a sociedade, sem ofenderem a nossa crença. Logram-se em Inglaterra muitas outras delícias que aqui são ignoradas; e como Vossa Senhoria não vai a negociar coisa alguma, pode levar boa vida sem ofensa do seu caráter, que só correria risco querendo encher as obrigações do seu ministério; mas como aqui não querem isso, está Vossa Senhoria desobrigado.
          Não se esqueça Vossa Senhoria dos amigos, que deixou lutando com as ondas do mar na superstição e da ignorância; e agradeça aos seus inimigos o mimo de que atualmente goza. Eu também havia de descompor os meus, se tivesse a certeza de lhes merecer semelhante destêrro; mas lembra-me a queixa de Camões a respeito do desconcêrto do mundo, e por isso me empenho em esquecer-lhes; no que serei afortunado, se o puder conseguir.
          Não há mais novidades que arder o palácio do Lavra, e ainda que El-Rei já não arde, sempre suavizou a mágoa com o pêsame, e com várias madeiras e outros oferecimentos. — Fico para dar gôsto a Vossa Senhoria, que Deus guarde. — Lisboa, a 16 de fevereiro de 1759.

Alexandre de Gusmão

Do livro: Antologia Nacional, Fausto Barreto e Carlos de Laet, Livraria Francisco Alves, 39ª ed., 1963, RJ

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