Rio, 18 de fevereiro de 1894
Sr. Redator
Em carta ontem publicada, dirigida ao redator d'O Tempo, o sr. João Cordeiro manifestou sentimentos de tal natureza, que, caso passem em silêncio, provocarão um grande e doloroso espanto no futuro, definindo pela pior maneira a feição atual da sociedade brasileira.
É muitíssimo justo que se dêem a um amigo parabéns pelo malogro de um atentado covarde como aquele que, segundo se afirma, foi ideado à redação de O Tempo. É porém, profundamente condenável aliar-se à justíssima condenação de um crime uma represália talvez ainda mais criminosa. Assim é que o sr. João Cordeiro sugeriu o alvitre singular e bárbaro de lançar-se mão das mesmas armas criminosas e reduzir a retalho as prisões onde estão os rebeldes, etc..., caso não se possa conseguir o fuzilamento dos dinamitistas. Confesso, sr. Redator, que uma tal proposição, ousadamente atirada à publicidade, num país nobilitado pela forma republicana, deve cair de pronto sob a revolta imediata dos caracteres, que na fase dolorosa que atravessamos tenham ainda o heroísmo da honestidade.
E necessário ainda que este protesto parta justamente dos arraiais daqueles que, pelo fato mesmo de lutarem sob a égide da lei, se consideram bastante fortes, para não descerem a selvatiquezas de tal ordem. E o que faço, desafiando embora a casuística singular que por aí impera, mercê da qual é fácil estabelecer-se a suspeição em torno das individualidades mais puras, tornando-as passíveis dos piores juízos.
Este protesto não exprime a quebra de solidariedade com os companheiros ao lado dos quais tenho estado; exprime simultaneamente um dever e um direito.
De fato, quem quer que tenha uma compreensão mais ou menos lúcida do seu tempo, deve procurar evitar a revivescência do barbarismo antigo; quem quer que seja medianamente altivo, pode afastar a camaradagem deprimente de quem almeja o morticínio sem os perigos do combate.
Euclides da Cunha, engenheiro militar.
Rio, 20 de fevereiro de 1894
Sr. Redator
A fim de reduzir corolários ilogicamente deduzidos da minha carta anterior, peço mais uma vez lugar nas colunas do vosso jornal, afirmando-vos que não renovarei este apelo ao vosso cavalheirismo, porque não devo malbaratear em polêmicas que se tornem pessoais o tempo que devo empregar trabalhando pelo meu pais. Afeito a proceder retilineamente, não temo os perigos das posições definidas, e afirmo mesmo que, por maiores que sejam aqueles, estas são sempre as mais cômodas.
As conseqüências que aprouve à redação d'O Tempo tirar das minhas palavras são tão profundamente irritantes e falsas, que exigem uma réplica imediata. Não sei que modalidades deva assumir a minha linguagem para fazer compreender aos que comigo lutam pela mesma causa com sentimentos diversos, que também condeno inexoravelmente a turbamulta perigosa que irrompe atualmente de todas as sociedades, planeando o mais condenável ataque a todo o capital humano, e tentando macular, cobrir com uma fumarada de incêndio o vasto deslumbramento do nosso século. Por isso mesmo que os condeno, é que entendo que eles devem cair esmagados pela reação de todas as classes; mas por isso mesmo que odeio os seus meios de ação repilo-os, entendendo que a reação pode perfeitamente, com maior intensidade, definir a serenidade vingadora das leis.
E necessário que tenhamos a postura corretíssima dos fortes! Não é invadindo prisões que se castigam criminosos. Nada mais falível e relativo do que esta justiça humana condecorada pela metafísica com o qualificativo
de absoluta. Há nos sentimentos que ambos tributamos à República uma diferença enorme: V. x. tem por ela um amor tempestuoso e cheio de delírios de amante, eu tenho por ela os cuidados e a afeição serena de um filho.
Persisto, pois, na deliberação fortemente tomada de o não considerar como um companheiro de lutas.
O futuro dirá quem melhor cumpriu o seu dever.
Euclides da Cunha, primeiro tenente.