GLAUCOMATOPÉIA [#64]


HISTÓRIA ORAL


SONETO 641

Segundo o quadrinhista, uma O submissa
ao lado do marido um restaurante
visita. À mesa, o gordo acompanhante.
Enquanto come, a fêmea ele cobiça.

Cochicha algo ao marido. Este lhe atiça
o lúbrico apetite quando diante
do amigo despe o seio provocante
da esposa. Ao gordo cresce a gorda piça.

Se ausenta do aposento o esposo corno,
deixando a sós o gordo e a bela dama.
Na mesa ainda sobra a carne ao forno.

A fêmea se ajoelha e nem reclama
do rango: de outra carne o molho morno
degusta e se lambuza enquanto mama.


SONETO 642

Chupando, ajoelhada, a grossa rola
do gordo, O julga ser do mesmo cara
que há tempo, no castelo, a chibatara
até, fraca, aceitar na boca pô-la.

No traço de Crepax, a fêmea tola
e dócil foi treinada a levar vara
na frente e atrás, cumprindo a regra clara
que a torna mais escrava que a crioula.

Um grupo de devassos, entre os quais
seu próprio esposo, ao cárcere a conduz,
e o mais obeso é quem a açoita mais.

Ainda que se ocultem no capuz
e queiram-na vendar nas bacanais,
o gordo a lembrará dos corpos nus.


SONETO 643

Os outros desfrutavam-na por trás,
de quatro, ou pela frente, em frango-assado.
O gordo só queria ser chupado.
Sentava-se, e a mulher fez o que faz:

Após sessões de açoite, ainda traz
no corpo o cru vergão de humano gado.
Agüenta a dor, joelho já dobrado,
e serve o algoz no vício pertinaz.

Começa pelo escroto, que é lambido
até que mais saliva que suor
o banhe. Então, a língua alça o sentido.

Alcança a glande e sente-lhe o sabor
do pegajoso e fétido resíduo.
Chupou, mas falou antes: "Sim, senhor!"


Os três sonetos acima me vieram quando abriu uma gibiteria no quarteirão e a molecada do bairro ganhou mais um ponto de encontro, além da lanchonete árabe e do café cibernético. Já cego há dez anos, eu nada teria a fazer ali, mas dei uma passada, acompanhado de Daniel, só para deixar em consignação alguns exemplares do álbum AVENTURAS DE GLAUCOMIX que o quadrinhista Marcatti desenhou, baseado no meu romance autobiográfico MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR. Daniel é aquele balconista da farmácia que costumo freqüentar, menos para comprar remédio que para atualizar as fofocas em torno da bichice alheia, para não falar da nossa. Enquanto Daniel pegava o recibo do material posto à venda, fiquei de ouvido ligado no papo de dois "teens" que escolhiam na estante um álbum de Guido Crepax.

— Leva esse aqui. Tem mais putaria, foi feito em cima do marquês de Sade...

— Esses eu já tenho. Aliás, prefiro este. Tem aquela cena da puta chupando o gordão...

—Ah, cê já se identificou, né, safado?

Fiquei na dúvida se o cara se sentiria no lugar do gordo ou da puta, mas não tive tempo de matar a curiosidade, já que Daniel me puxava pelo braço. Caminhei com ele de volta à farmácia, onde repassei a conversa dos adolescentes.

— Ah, Glauco, tá explicado! Um dos moleques é o Gilberto. Não conheço ninguém mais gordo aqui na redondeza. E o que tem de gordo tem de sacana...

— Você já transou com ele?

—Não. Nem ele gosta de viado, nem eu de leitão. São as incompatibilidades da fauna...

— Mas bem que o menino tem algo de comum conosco: conhece gibi de arte. E prefere justamente meu álbum favorito: a HISTÓRIA DE O do Crepax.

— Ah, do Crepax eu curto tudo. Até prefiro a JUSTINE do Sade ou a VÊNUS do Masoch... Por que você gosta mais da HISTÓRIA DE O?

— Cenas explícitas de lambeção de bota. No livro a escravização da mulher não inclui esse detalhe, mas Crepax foi mais longe (ou mais perto) e fez a fulana lamber a sola dos carrascos, entre uma sessão e outra de chicote. Mas minha cena predileta, por ironia, não é nenhum
quadro podólatra: é quando o marido "empresta" a boca dela pra chupar um gordão de terno listrado que o casal encontra no restaurante. O cara deixa a mulher sozinha com o gordo na sala privada, e ela tem que se ajoelhar, tirar o pau do gordo pra fora e chupar até engolir a porra, enquanto o gordo só fica lá, sentadão de perna aberta. Mesmo cego há tanto tempo, não me esqueço da cara safada do gordo nem da fulana engasgando com a rola. No livro o chupado nem era gordo, pelo que me lembro...

— Isso me lembra a mulher que chupou o Gilberto. Acho que foi por isso que ele se ligou tanto naquela mesma cena que você lembra.

— Que mulher é essa?

— A Ofélia, mãe do Valmor.

— Aquele viadinho que trabalha na floricultura?

— Ele mesmo. Foi quem me contou tudo.

— Então me reconte, que dessa eu tava por fora.

— Simples: o Valmor vive cantando tudo quanto é bofinho, você sabe, mas nunca consegue quem ele quer. Acabou dando em cima até do Gilberto, que nenhuma bicha digna cobiçaria. Pois sabe o que o gordinho propôs pra ele? Deixaria ele chupar só depois que a Ofélia chupasse!

— Mas que idéia! Por que você acha que a mãe do Valmor faria uma coisa dessas? Ela tem filho viado mas não é puta, que eu saiba. Não é costureira?

— Tá mal informado, Glauco. Pra começar, o Valmor é só filho adotivo, e a Ofélia nunca escondeu isso dele. Desde que enviuvou, a costureira faz bico bicando pica. Quando não recebe o freguês em casa, atende a domicílio, aproveitando a viagem pra entregar outras encomendas, mas sempre vaza uma gotinha de porra no ouvido da gente, sabe como é...

— Mas o Valmor nunca comenta nada... Por que foi confessar justo pra você?

— Porque foi a única vez que ele presenciou, e não tinha ninguém mais interessado que eu pra ouvir coisas excepcionais... De mais a mais, quem resiste ao meu faro investigativo? O "Dani Daninho" aqui sabe perguntar, meu querido! Se perco o emprego na farmácia, viro repórter ou detetive, pode apostar!

— E o que foi que a "Bicha do Sapato Branco" apurou?

— Sabe o que é, Glauco? O Valmor pode ser a bichinha mais sem-vergonha, mas tem vergonha da mãe e faz de conta que não sabe do tipo de roupa que ela costura pra fora. Só que, no caso do Gilberto, ficou tão tentado pela proposta que resolveu assistir escondido. Ele não mora com a mãe mas vai lá todo dia e tem a chave, pro caso de levar uns bolos e pudins quando a Ofélia não está. Que fez ele? Deu o fone da mãe pro Gilberto mas disse pra não contar que a coisa tinha partido dele, como se ele nem soubesse. No dia que Gilberto marcou com a Ofélia, Valmor chegou antes que ela e se escondeu no sótão. Sabe aquela casa geminada ali na vila, né? Tem aquele telhado com janelinha, não tem? Pois a Ofélia morava lá nessa época. Do sótão ele tinha toda a visão do quarto por causa dum vão na tábua do teto. Ele sabia desse ponto de observação desde que tinha subido ali pra consertar umas telhas quebradas, mas só então achou outra utilidade praquele esconderijo...

— Eu nem sabia dessas habilidades masculinas no Valmor. Pensei que ele só soubesse mexer com flor...

— Ah, aquela bicha é pau pra toda obra! Ou melhor, obra pra todo pau... Mas foi assim que ele me contou, não sei se inventou alguma coisa. Disse que o Gilberto chegou logo depois da Ofélia e, onde sentou, ficou. Gordo daquele jeito, ele tem uma preguiça desgraçada de se mexer. Ser chupado vinha a calhar, já que não dava trabalho nem de tirar a roupa ou descalçar o tênis. Ele só desabotoou toda a braguilha e baixou a cueca, pra deixar os bagos bem livres e a rola à vontade. A Ofélia pôs uma almofada no soalho e sentou no meio das coxas do molecão, que tava escarrapachado na poltrona, fumando um daqueles reservados pras ocasiões especiais. Parece que o Gilberto tinha alguma dificuldade na ereção, mas o engraçado é que nem se inibia com isso. Só explicava que ela ia ter que se esforçar pra deixar aquele pau durinho no ponto, e que o problema era dela se demorasse. Acha o Valmor que o cara goza até de pau meio mole, mas o negócio é tão grosso e curto que nem faz muita diferença no meio daquela banha toda. O fato é que a Ofélia não tava acostumada com tanta carne e teve um trabalhão pra lubrificar cada dobrinha com a língua. "Você não tem nojo, tem?", falava o gordinho. "Então vai arregaçando devagar e passando a língua na cabeça... Tem menina que não topa o cheiro nem o gosto, mas você já tá calejada, né?" E ria no maior relaxo, sem se incomodar com o sacrifício da Ofélia pra ensaboar de saliva aquele puta gomo de paio. Ela fez de conta que a carne era acoisa mais limpa e saborosa do mundo. Só se escutava o barulhinho de pele molhada e de respiração ofegante, até que Gilberto começou a falar mais rápido e bufando: "Isso, mete tudo na boca! Mete mais! Agüenta firme! Falta pouco, já vai sair! Agora! Tá saindo! Tá sentindo? Espera sair tudinho! Ah, que delícia! Que tesão! Que boca!" Ofélia só ia fazendo que concordava, falando só "Hum-hum!" sem tirar o paio de dentro, até que tossiu e teve que desengolir o caralho pra poder engolir aquele montão de líquido que tinha se acumulado depois de várias golfadas. A impressão era de que Gilberto juntava porra até não caber mais e quando gozava dava pra encher um copo...

— Poxa, Daniel, esse moleque precisava ter tido mais chances de descarregar tanta energia estocada! E o Valmor, teve chance de ajudar o
gordinho a se aliviar?

— Diz ele que sim, mas não entra em detalhe. Acho que o Gilberto não se excita mesmo com viado... Deve ter sido uma experiência meio
frustrante... Até porque foi o Valmor quem deu ao Gilberto a grana pra pagar a mãe. Pra ela também não foi boa a coisa, porque não quis saber de repetir a dose...

Dali em diante fiquei atento aos buchichos da molecada, até flagrar outra vez o Gilberto na gibiteria. Não escutei nenhuma confissão bombástica, mas foi suficiente o papo dele com outro maníaco por quadrinhos, diálogo que consegui acompanhar pela metade no momento em que chegava à loja para ver se o GLAUCOMIX estava tendo saída:

— Esse do Pichard é forte! Pode levar que você vai gostar! (dizia o outro)

— Já conheço. Prefiro o Crepax. Acho legal isso tudo que fazem com a freira, mas o Crepax é mais realista nas cenas de chupada, a mulher se rebaixa mais...

— Você acha? Achei que você ia curtir mais as torturas na freira...

— Mais legal é a tortura psicológica, meu. Quando a mulher tá chupando, não precisa apanhar pra sentir que tá por baixo. Eu, quando fodo a boca da mina, já torturo ela só fazendo engolir até engasgar... Nem tem necessidade de chicote: é só mandar e ter autoridade, meu. Não tem nada mais torturante que levar uma rola grossa na boca, meu!

Gilberto falava sério, mas quando tocou na "rola grossa" riu da própria expressão. Pensei comigo que era mesmo uma pena aquela indiferença dajuventude para com a agonia dos deficientes visuais, que poderiam ser tão úteis aos gordinhos em dificuldades eréteis, mas como desta vez não era Daniel quem me acompanhava, tive que guardar para mim o comentário que quis fazer sobre esse desperdício de oportunidades. E já que minha boca não estaria na cogitação dos Gilbertões da vida, nem me dei ao trabalho de elucubrar como seria o pé descalço dum gordinho desses na minha língua...

GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados nos sítios oficiais:

http://sites.uol.com.br/glaucomattoso

http://sites.uol.com.br/formattoso
 

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