"LETRAS CLÁSSICAS ", POR HENRIQUE CAIRUS
Professor Dr., Coordenador do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ (Pós-Graduação), ensaísta, poeta, co-editor de CALÍOPE: Presença Clássica, revista do Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas e do Dep. de Letras Clássicas da UFRJ. Na Internet, veicula a lista: PGclassicas -
Pós-Graduação em Letras Clássicas - UFRJ e tem site pessoal: http://www.geocities.com/henriquecairus/
Coluna da primeira quinzena de dezembro 2004
(próxima coluna: 19/12)
Um canto coral de Hipólito de Eurípides
“Para os mortais, os segundos pensamentos são, por vezes, os mais sábios” (Hipólito , v.436) . Essas palavras que a Aia dirige a Fedra, quando ela lhe confessa o amor pelo enteado Hipólito, são o que se pode chamar de chave de leitura do texto de Eurípides. O canto coral 525-64, composto por duas estrofes e duas antístrofes, é absolutamente duplo e simétrico. O tema é o amor, ou o caráter dual do amor: doce e destruidor. O coro canta a docilidade do amor e celebra seu poder devastador, relembra duas de suas vítimas: o indestrutível Héracles e Semele, mãe de Baco. Talvez por essa razão, em toda a literatura grega sobrevivente, não há nenhum outro texto onde Eros seja chamado “filho de Zeus”, como o é neste canto.
A primeira estrofe começa com o eco "Éros Éros" e a segunda lhe faz “rima” "állos állos" (em vão, em vão). Paralelismo na forma, simetria na idéia. Se, por um lado, o texto mostra nossa fragilidade perante a força destruidora de Eros; por outro, aponta para o vazio deixado por esta devastação.
Os versos 525-64 eram cantados no momento em que a Aia, ciente do amor de Fedra, sai para contá-lo a Hipólito. O coro, então, prenuncia a desgraça: o suicídio de Fedra e a maldição que Teseu lançará sobre Hipólito; por conseguinte, a vitória de Afrodite “a Terrível, que sopra de todo lugar, como uma abelha a voar”.
Estrofe:
Eros, Eros, que dos olhos 525
destilas desejo, e trazes doce
graça à alma de contra quem lutas,
nunca te mostres a mim adverso
nem me sobrevenhas desenfreado.
Pois nem do fogo, nem dos astros, superior dardo 530
ao de Afrodite há,
que atira das mãos
Eros, o filho de Zeus.
Antístrofe:
Em-vão, em-vão é que, às margens do Alfeu e 535
sob os tetos píticos de Febo,
alastra a matança de bois a Hélade;
mas a Eros, o tirano de homens,
dos aposentos amantíssimos
de Afrodite o claviculário, não veneramos,
o devastador, o que por todas
as desventuras vem
aos mortais, quando chega.
Estrofe:
À, de Ecália, 545
eqüina [4] moça [5], que do leito o jugo não conhecia,
sem homem ainda nem núpcias,
das moradas de Êuritos, ao subjugá-la,
como a uma bacante ou Náiade fugidia,
e a usar sangue, além de fumaça
e cânticos mortais
para o filho de Alcmena [6], Cipris a tomou;
ó infeliz nos esponsais.
Antístrofe:
Ó de Tebas [7] sagrada 555
muralha, ó boca de Dirce [8],
poderíeis dizer onde vai Cipris.
Pois pelo raio ardente
do binato Baco a genetriz,
após suas bodas, por letal
fado descansa.
Terrível, sopra de todo lugar e, tal
qual abelha, dança.
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[4] A palavra 'pôlos' significa literalmente “potro (a)”, contudo este seu uso (para se referir a uma mulher jovem) é recorrente na poesia grega, mormente na de caráter erótico.
[5] Referência à Íole, filha de Êuritos, rei da Ecália. Héracles a capturou e dela se enamorou, depois de ter destruído Êuritos, seus filhos, e Ecália. Pode-se ler a história dos ciúmes provocados pelos amores entre Íole e Héracles nas Traquínias , tragédia de Sófocles que conta a “acidental” morte de do herói pelas mãos de sua mulher.
[7] Tebas era o lugar onde se celebravam as bacanais.
[8] A fonte de Dirce (ou de Ares) era famosa em Tebas, sua invocação preludia a alusão a mortal Semele, a conhecida mãe de Dioniso, que, grávida de Zeus, quis contemplá-lo em todo seu esplendor.
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