VERTIGEM

Fui parar em um castelo sombrio.
Vi coisas que nem consigo explicar.
Cavalos carnívoros caçavam homens, mulheres e crianças.
Leões alados voavam pelo céu. Carregavam moças vestidas de noivas, que gritavam apavoradas.
Monstros que pareciam vaginas, engoliam rapazes vestidos de monges.
Tudo acontecia ao mesmo tempo.
De repente, as criaturas sumiram. Aproveitei o sossego, para fugir do castelo.

Andei durante dias.
Parei numa praça. Uma mulher nua andava de bicicleta. O cachorro corria atrás dela. O animal tinha uma imagem borrada, parecia uma pintura impressionista.
Um casal de velhinhos começou a dançar. Um gigante apareceu e os pegou com a mão e continuaram a dançar na palma da mão do gigante.
Um padre celebrava missa, vestido de mergulhador. Uma borboleta assistia emocionada, sentada no banco da igreja.
A praça começou a se dissolver.

Quando dei por mim, estava num cinema.
Passava um filme em preto e branco.
Uma velha apareceu à janela; estava com os seios murchos a mostra. Segurava uma maçã vermelha, o único elemento colorido do filme.
Um senhor idoso estava sentado sob a mesma janela. Tinha o olhar vazio.
A senhora saiu da casa, inteiramente nua.
Foi para a estrada. Urinou de cócoras e o mijo se transformou num grande rio.
Um barco apareceu. Ela foi ao seu encontro e sumiu.
O filme terminou.
Fui embora.

De repente, me vi num ônibus lotado.
Fazia muito calor, tirei a camisa. Nada se movia.
Alguém me observava. Olhei para o pequeno prédio, que ficava em frente do ônibus.
Na janela de um primeiro andar, havia uma moça sensual. Ela estava lambendo um pirulito gigantesco. Usava uma blusa transparente, exibindo os seios fartos.
Quando percebeu que eu a olhava, me chamou.
Olhei ao redor para ver se era comigo. Só podia ser. Não havia mais ninguém no ônibus sem camisa.
Saí e fui ao encontro dela. Pisei em pés, empurrei num monte de bundas gordas e dei muitas cotoveladas.
Quando cheguei na porta de saída do ônibus, decidi não ir ao seu encontro. Continuei no ônibus cheio.


****

Acordei numa enfermaria de hospital. Os médicos me disseram que estava em coma há três meses.
Depois de um tempo, deram-me alta. Saí do hospital, mas não tinha para onde ir. Continuei a vagar sozinho, procurando um abrigo.
Encontrei um homem e uma mulher, que diziam ser meus pais. Eu os desconheço, mas parecem ser pessoas legais. Darei um tempo na casa deles.
Não tenho do que me queixar. Estou vivo e isso já me basta por agora.

Eduardo Oliveira Freire

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