CAIU NA REDE... É
POESIA?
Leila Míccolis fala sobre
o sucesso do Blocos Online e conta o que mudou em sua concepção
poética nos dias atuais
1. O Blocos Online é o maior site de
literatura do Brasil e, corriga-me se tiver errado, da América do
Sul. Fale um pouco sobre a construção desse projeto, desde
o início até os dias atuais, sobre as dificuldades e as gratificações
de editar um site voltado para o público literário.
• LM – Blocos tem uma estatística de
números reais. Há sites com números maiores de textos,
os que permitem que os próprios leitores criem suas páginas
automaticamente, entrando cada um com número ilimitados de niks,
para terem mais trabalhos online. Com esses números virtuais, obviamente
Blocos não compete; porém entre os sites com poetas de nomes
verdadeiros, Blocos é sem dúvida o maior do Brasil e caminha
para ser, de fato, o maior da América Latina. Blocos de duas pessoas
– Urhacy Faustino e eu – abrigando milhares. Começou como jornal
impresso e no número 30 (abril 1991). A partir do nº 31 (março
de 1999) foi transformado em revista, e o nº 32 – o mais recente –
data de julho de 1999. Em julho de 1996 entramos na Internet com Blocos
Online e, se a publicação já viajava pelo mundo, através
da web ampliou-se: em março, de 1º a 31, tivemos a visita de
88 países, 92.981 visitantes, tráfego de 315.818 páginas,
943.518 arquivos e 1.131.130 hits, ou seja, mais de um milhão de
cliques nos links de Blocos Online (esta pesquisa fornecida pelo Terra
Empresas encontra-se disponibilizada no site). E agora, com a parceria
da Interamericana, fornecendo-nos o suporte de que precisamos, estamos
implantando banco de dados e mudando toda nossa estrutura interna, para
poder ampliar áreas e aprimorar serviços. O novo Blocos estará
online ainda neste mês, abril 2004.
2. Como foi o trabalho de catalogar tantos
autores diferentes, de épocas distintas, no site?
• LM – Como foi, não, como continua
sendo... É trabalhoso, mas prazeroso, também. De todos os
gêneros literários, a poesia é o meu preferido, por
configurar-se em um sistema de sistemas – como bem definiu Lotman, uma
relação de relações. Devido a esta minha predileção,
desde a década de 70 venho catalogando exemplares da imprensa alternativa
(essencialmente cultural e poética), reunindo livros em meu acervo,
lidando com todos os tipos de tendências, e atualmente mergulhando
também nos mares da teoria e da ciência da literatura, para
analisar os movimentos da poesia atual. Blocos Online trilha este caminho:
apresenta desde a poesia mais tradicional até as manifestações
da transvanguarda, um modo de divulgar algumas correntes contemporâneas
pouco conhecidas, de compartilhar informações e de mostrar
a rica variedade das formas que constituem nossa poética. Posso
resumir dizendo: é a homenagem diária de quem AMA a poesia,
e aplaude suas manifestações plurais.
3. Blocos talvez tenha sido um dos pioneiros
na rede mundial de computadores. Como você vê hoje a proliferação
de sites e revistas literárias na net?
• LM - Sim, foi um dos primeiros. Há
um dado, a meu ver, muito positivo nesta proliferação: sinal
de maior interesse, de maior público, de mais pessoas voltadas à
literatura; no entanto, a rapidez na emissão ou na recepção
das mensagens pode gerar uma atitude impulsiva desastrosa, sem cuidado
no conteúdo da comunicação. Ávidos de estarem
sempre em dia com a informação há pessoas que transmitem
boatos, falsas notícias, “autores anônimos”, ou poemas sem
o consentimento de seus autores. Para que a Internet não se torne
“terra de ninguém”, é necessário a procura da veracidade
de qualquer informação, se possível citando fontes,
e o respeito ao direito autoral. Blocos Online só publica quem autoriza
expressamente a divulgação de seu texto; quanto aos autores
falecidos cujas obras ainda não estão em domínio público,
temos expressa autorização da família para publicá-los.
Assim, demonstramos zelo, seriedade e respeito para com os autores, os
leitores e o próprio site.
4. O público que lê um poema de
Leila Miccolis, por exemplo, no site da Blocos é o mesmo que lê
um poema da Leila em um livro?
• LM - Acho que já há um grande
entrecruzamento entre o público de livros impressos e o leitor cibernético.
No entanto, embora o acesso à Internet esteja crescendo rapidamente,
a maioria da população letrada ainda não a possui.
Em contrapartida, há muita gente que não me conhecia em livro,
e que passou a conhecer minha obra pela Web. Então, é inegável
a existência deste público “novo” que nunca me procurou em
livraria (no caso de ter o hábito de freqüentá-la),
porque não me conhecia – aliás, mesmo me conhecendo, não
me encontraria lá, já que meus livros se encontram todos
com tiragens esgotadas. Em termos pessoais, acho que um poema impresso
tem sabor diferente do visto na tela de um computador: nem pior, nem melhor,
apenas diverso, até porque são veículos diferentes,
com diferentes instrumentalidades.
5. Como você tem acompanhado uma outra
febre que começa a se espalhar pela net: a dos blogues? Eles não
incentivariam a publicação de poesias de qualidade duvidosa?
LM – Pessoalmente, não gosto de blogues,
porque eu os associo a uma espécie de diário e, confesso,
não são todas as pessoas com as quais eu gostaria de entrar
na intimidade e partilhar o seu dia-a-dia... rsss... Também, como
não há necessidade de coerência ou unidade, os assuntos
em geral são picotados demais, “leves”, ligeiros, superficiais.
Mesmo os “darks”, acabam tornando-se “darks lights”... Raros os autores,
neste formato, que conseguem ser sintéticos, conservando sua intensidade
dramática, e nos emocionando todos os dias... Meu desagrado, porém,
não se veicula à questão do valor estético,
muito ligado, ainda hoje, a subjetivismos beletristas; além do mais,
sou escritora e leitora, e não censora ou juíza. Como já
escrevi em um verso meu, a propósito desta questão, “quem
precisa de nível é caixa d´água”. E é
justo neste sentido que vejo os blogues desenvolverem um excelente exercício
de criatividade: através de uma interação participativa,
eles, por um lado, incentivam comentários, críticas e sugestões
do público (sem o qual uma obra não se realiza plenamente),
e, por outro, estimularem o treino constante, a prática regular
e sistemática da literatura, fazendo nascer o “hábito” de
uma escrita e de uma leitura diárias, acabando por constituírem-se
em importante e dinâmico aprendizado coletivo.
6. Você tem sua origem literária
na poesia marginal. Você não acha que os sites existentes
na internet não têm um pouco também dessa coisa da
poesia marginal, sem aquela sistematização e racionalismo
que geralmente estão embutidas na produção de um livro,
por exemplo?
• LM – Não acho não. Não
tem nada (ou muito pouco) daquela época, a começar pelos
pressupostos ideológicos. Enquanto os próprios poetas consideram
a Internet como uma vitrine, nós, da Geração 70 a
víamos como resistência. Em uma passarela, os poetas se preocupam
em sobressair, aparecer, exporem-se ao máximo; tudo o que a Geração
70 não queria era aparecer, para não ser cassada pela ditadura
militar, silenciada em obras ou vidas. Nada de holofotes. Queríamos
romper o cerco do silêncio, intercambiar, mas em surdina. Esta postura
fazia com que a própria linguagem fosse outra: breve, como comícios
relâmpagos, como um narrador o tempo todo, ameaçado de modo,
a qualquer instante. Caçarem nossa palavra, naquela época,
podia ser fatal. Hoje, nos sites ou nos zines eletrônicos, se nos
caçarem as palavras, as substituiremos por emoticons... risos...
Por fim, o traço diferencial que me parece mais marcante, é
que a poesia “marginal” – leia-se à margem do sistema tradicional
de produção e circulação dos livros –, orgulhava-se
do poeta acumular as funções de autor, produtor e vendedor,
interferindo e até executando, muitas vezes, todas as fases do processo
editorial... O mão-a-mão era uma “bandeira altaneira”, ostentada
com altivez. Neste sentido, os poetas “marginais” também eram chamados
de “poetas independentes”, “alternativos”, porque eles existiam, mesmo
sem que nenhuma grande editora os descobrissem e o promovessem, através
de uma atitude alternativa no mercado editorial. Na Internet, acontece
exatamente o contrário, as pessoas sentem-se “lesadas” ou “injustiçadas”
em investir em si mesmas: o poeta geralmente acomoda-se às facilidades
com que a rede lhe seduz e tenta “levar vantagem” em tudo, iludindo-se
(ou fingindo iludir-se) com a pseudo-gratuidade de seus serviços,
como se alguma vitrine no mundo capitalista não tivesse os seus
custos e ônus repassados e embutidos nos descontos, promoções
e brindes...
7. Além de ser um site literário,
Blocos também é uma editora. Como é lidar com essa
contradição: entre o imediatismo e a interatividade da net
e lentidão na resposta após a produção e lançamento
de um livro?
• LM - Estou pouco com a editora atualmente,
já que o site me absorve 12 a 16 horas por dia (sem esquecer que
até agora vivemos exclusivamente do que escrevemos, e não
do site...). É o Urhacy Faustino, meu companheiro de vida e arte,
quem está mais com esta parte, até porque entende de programação
gráfica muitíssimo mais do que eu. Confesso que perdi um
pouco o ânimo diante das editoras que se encontram na Internet, em
geral com uma produção precária (diferente da precariedade
da “Geração 70”, proposital, protesto de um tempo em que
o mimeógrafo era considerado instrumento de alta periculosidade,
podendo enquadrar seus donos na Lei de Segurança Nacional) e de
fundo de quintal, até porque muitos editores, novos no mercado,
não sabem sequer o básico. No caso das editoras exclusivamente
online, os textos constantemente são jogados em páginas toscamente
feitas em htm ou html, e este banco de dados, disponibilizado de forma
apressada, simplória e sem arte, recebe o pomposo nome de livro
virtual (quando só deveriam ser livros virtuais os que usam os recursos
específicos do cyberespaço, tais como links, animações,
interatividade, etc.). Por isso o binômio: rapidez net x lentidão
gráfica não me parece ser o aspecto mais trágico dentro
da complexa questão editorial. Pior do que esta defasagem, própria
de tipos de mercados diversos – mesmo que ambos lidem com a mesma matéria
prima –, é o comportamento dos próprios autores que não
percebem que estão pagando caro por um produto ruim. Chegam a achar
“lindos” esses livros de páginas soltas, sem diagramação,
com corte mal-feito de papel, poemas amontoados, etc. – comportamento que
parece-me ameaçar a própria concretude do texto, pois quem
não consegue distinguir o óbvio, na vida real, dificilmente
saberá transmitir, com clareza, os complexos meandros da alma humana,
em sua obra. Tais autores me fazem lembrar aquela piada do marido que chegou
exultante em casa dizendo que veio correndo atrás do ônibus
e com isso economizou R$ 2,00. Ao que a mulher contra-argumenta, dentro
desta lógica, que ele deveria ter vindo atrás de um táxi
para lucrar R$ 20,00, portanto, mais... Se isto é lucro... risos...
8. Você tinha um projeto, na época
dos 500 anos do Brasil, de lançar uma antologia contendo poetas
desde os tempos do Descobrimento. O que fez o projeto não ir adiante?
A ousadia?
• LM – O capital. Mas, espera aí: quem
disse que o projeto não foi adiante? Com o novo Blocos On Line no
ar temos certeza de que conseguiremos o tão sonhado patrocinador.
No Brasil, é assim, em termos de cultura: quem não tem incentivos
fiscais, governamentais e outros ais, precisa fazer um circuito cheio de
curvas para atingir suas metas. Já estamos acostumados a trilhar
o caminho mais longo e demorado... mas nem por isso desistimos até
hoje de projeto nenhum. Enquanto ele não se viabiliza, aproveito
para adicionar mais algumas preciosidades e tentar obter mais algumas autorizações
das famílias dos poetas modernistas falecidos, cujas obras ainda
não se encontram em domínio público.
9. Há mercado, de fato, para a literatura
brasileira? Falo de mercado em termos de consumo mesmo.
• LM – Se não houvesse, as grandes
editoras já teriam falido. O problema, a meu ver, tem raiz – insisto
- nos próprios escritores não vêem o livro ainda como
um produto de compra e venda. Reclamam, por exemplo, de pagarem caro o
seu livro e o doam aos amigos, familiares e estranhos. Regateiam o preço
da produção gráfica, para depois distribuírem
a obra, que está “entulhando” sua casa. Ou seja, eles são
os primeiro a menosprezarem o significado do que escrevem e minarem este
mercado consumidor. Que se reserve uma parte da tiragem para dar de presente
e também para a divulgação, mais do que normal. Porém,
querer só dar e receber de graça o que teve um custo, e alto,
é desvalorizar o produto, e desvalorizar-se também. Não
entendo muito do assunto, mas creio que não haja “mercado” sem consumidor...
E, para consumir, há que se valorizar o que se consume, há
que se querer consumir, agir dentro da “lei da oferta e da procura” ou
seja: comprar e vender. Na prática, já vi autor afirmando:
“se eu posso editar quase de graça na Internet, por quê vou
pagar mais para publicar um livro impresso?”. Eu poderia editar vários
livros explicando o porquê... É esse desamor para com o livro
que acaba depreciando-o, esvaziando-o enquanto objeto mercadológico
(será que alguém compra um carro com a lataria enferrujada
e batida só porque é sai um pouquinho mais em conta???).
Enquanto o próprio escritor não tiver consciência de
que ele é uma parte vital deste processo, enquanto não enfrentar
esta realidade, em vez de solapá-la, teremos simultaneamente um
mercado paralelo de trocas, prejudicando o de compra-e-venda. E, em uma
sociedade capitalista como a nossa, se alijamos um produto do comércio,
estamos comprometendo a sua circulação - seja um sapato,
um tijolo, uma idéia ou um poema.
10. Vamos falar agora de sua poesia. Da poesia
marginal e a contracultura dos anos 60/70 até os dias atuais, o
que mudou em sua concepção de fazer e ver poesia?
• LM – A ironia. A minha primeira fase era
muito mais agressiva, e assustava pela violência. A partir dos anos
80 ela se tornou mais sutil, até porque observei com o meu show
“A Pequena Notável” que, no palco, o humor age mais rapidamente
e com maior eficiência. Por isso, minha poesia até hoje, faz
rir primeiro para depois as pessoas perguntarem-se: de quê estou
rindo?
11. Sua poesia já foi classificada de
feminista e também de ter um forte enfoque social, na época
dos milicos. Esse engajamento social ou político ainda é
possível nos dias de hoje ou é coisa datada?
• LM – O muito que há para mudar-se
ainda na sociedade não está ligado exclusivamente a uma época
ou a um regime político. Veja Castro Alves, por exemplo, cuja obra
foi um libelo contra a escravidão. Até hoje lemos sua poesia
de forma simbólica, como um brado contra o preconceito, a injustiça
social e a violência, conseqüentemente. Por isso, ela até
chegou até os dias de hoje e continua nos comovendo, para além
da abolição da escravatura. São os significados conotativos,
simbólicos, metonímicos e metafóricos que a poesia
carrega em seu bojo, que faz com que ela ultrapasse seu tempo e até
mesmo a própria causa a que se destinou, na época em que
surgiu.
12. Li que o Ignácio de Loyola Brandão
a definiu como um Gregório de Matos em versão moderna. Gostei
da definição, porque vejo, também, muito dessa coisa
satírica e de deboche em tua poesia. A sátira é o
meio mais eficaz para se criticar o status quo? Leila Miccolis seria barroca?
• LM – Risos... Distancio-me do barroco principalmente
pela linguagem... Porém sintonizo-me com todos os poetas que põem
a nu a farsa, a hipocrisia, a acomodação, os preconceitos
culturais, o pseudomoralismo, a robotização humana, as “verdades
imutáveis”, os papéis sociais convencionais massacrantes
e massificantes – quaisquer que sejam suas épocas. E, também,
aproximo-me de todos os teóricos (dos formalistas russos aos semióticos
franceses) que encontraram na desfamiliarização proporcionada
pela linguagem poética, uma forma de repensar o mundo, através
de outros códigos.
13. Você foi meio que precursora na ousadia
de assumir uma poesia feminista, erótica e libertária. Como
você vê a poesia produzida pelas mulheres neste início
de século XXI?
• LM – É cedo demais para rascunhar
uma análise crítica. De qualquer modo, sinto como um dado
muito positivo a multiplicidade de expressões e de conteúdos,
um fator de exuberância. Acho que as mulheres já entenderam
que a poesia não precisa ser apenas contemplativa, “adequada” a
suas emoções subjetivas, isoladas do contexto social, e da
participação da história de seu tempo; perceberam
que a poesia também pode ser combativa, sem ser didática,
sem perder a sua tessitura específica – esta audácia as mulheres
da Geração de 70 tiveram: desafiaram romper com a “imagem”
de escritoras bem-comportadas, abordando enfoques que, antes, a não
ser muito esparsamente, eram impróprios para a poesia e para as
mulheres, de todas as idades... Há bastantes poetas/poetisas escrevendo
com força, garra e coragem. No entanto, como em todos os tempos,
as que ousam algum tipo de transgressão (quer na forma, quer na
mensagem, quer em ambas), ainda são uma minoria esmagadora.
14. Recentemente, em entrevista ao Correio
das Artes, Glauco Mattoso disse que o futuro da poesia é o retorno
à oralidade. Você concorda com essa previsão?
• LM - Não vejo muito por aí
não. Acho que o futuro da poesia está na convivência
simultânea de diversos meios: do livro tradicional à transvanguarda,
passando pela multimídia, pela performance, pelo work in progress,
pela oralidade, e, principalmente, pela “digitalidade”.
15. Como você avalia a poesia feita hoje
no Brasil? Quem são os destaques, em sua opinião? E quem
promete vingar no futuro?
• LM – Como lido com muito autor inédito
ou pouco conhecido, acho que seria injusto referir-me só aos nomes
consagrados. Mas, mesmo sem citar ninguém em particular, creio que
vingarão os poetas que assumirem a poesia como profissão,
equiparando-se a qualquer outro profissional liberal, sobrevivendo do seu
ofício e se especializando cada vez mais na sua arte, sem pruridos
ou puderes de ser pago pelo seu trabalho e viver do que escreve. O diletantismo
faz com que a poesia restrinja-se apenas às horas vagas, para distrair
ou para satisfazer a vaidades intelectuais egocêntricas. Enquanto,
pois, ela for apenas alimento do espírito e não do corpo
todo – gênero de primeira necessidade, vital, essencial, visceral
(não queremos mais lirismo que não seja libertação,
como disse Manuel Bandeira) – pode haver até poetas que se destaquem
isoladamente, mas a poesia, enquanto prática cognitiva, nem vingará,
nem se vingará de ser constantemente tão esvaziada e alienada.
16. E Leila Miccolis? Tem algum novo livro
em mente?
• LM – Muitos no papel, ou melhor, no micro...
Inclusive alguns teóricos.
17. Mas Leila não é só
poesia. É também teatro, contos, novelas e até letra
de música. Em qual atividade você mais se realiza? Que falta
fazer, agora?
• LM - Tenho ainda um grande sonho a realizar,
que vai demorar ainda pelo menos uns cinco anos... Neste ínterim,
há muito o que construir. Parece que quanto mais me entrego à
literatura, mais descubro que ainda não fiz nem metade do que pretendia...
18. Uma última pergunta: o SBT vem anunciando
o retorno do programa Casa dos Artistas. Numa das versões do programa
você se inscreveu para participar. Foi só deboche? Você
repetiria essa experiência de novo?
• LM - Acho que agora não. A primeira
(e única) Casa dos Artistas era bem mais “light” e ainda dava para
se brincar pelo menos com a idéia. Depois do Big Brother, ela fatalmente
voltará em outro estilo, cada vez mais voyeurista, e aí,
complica... Na época, tudo começou quando o Rodrigo Souza
Leão lançou no zine eletrônico dele, o Balacobaco,
uma pergunta polêmica: por que nenhuma poeta ousava participar? E
eu me apresentei a ele... Ele então “lançou” a indicação
do meu nome, pela Internet, e a Mariza Lourenço, pegando a deixa,
acabou por “chegar às vias de fato”: me inscreveu – mas, óbvio,
sem que eu tivesse nenhuma chance de ser selecionada pela produção:
era mais uma provocação do que uma candidatura... E, realmente,
o objetivo foi atingido: pela reação indignada de várias
pessoas que me escreveram constatei que o poeta continua com territórios
limitadamente demarcados, circunscritos a determinadas áreas, fora
das quais é quase que “proibido” de transitar... Era como se, ao
participar de um programa deste tipo, eu deixasse automaticamente de ser
poeta, como se fosse “expulsa do paraíso” por um pecado gravíssimo
contra a Humanidade, ou como se fossem secar o manancial e a “essência”
de “belas imagens” dentro de mim... Ou seja, em plena “era tecnológica”,
ainda estamos mais para os ideais românticos do que para as estratégias
de marketing. Portanto, mesmo sem entrar para a Casa dos Artistas, creio
que consegui meu intento: o de chamar atenção para a poesia,
ao questionar não só o que ainda se espera do poeta, como
também o âmbito de sua atuação, dentro de uma
cultura cada vez inserida nas mídias eletrônicas e digitais.
Entrevista publicada no Correio
das Artes (Jornal A União), em 01 e 02/05/2004, nº 59, ano
LIV, edição edicada a poesia na internet - págs. 4,
5 e 6.
Site do Correio das Artes: <http://auniao.pb.gov.br/index.shtml>
Blog do editor do Correio das Artes: <http://linaldoguedes.blog.uol.com.br> |