ENTREVISTA

a Linaldo Guedes, editor do Correio das Artes - João Pessoa/PB

 
Editorial:

POESIA NA ERA VIRTUAL

Leila Míccolis tem história na poesia brasileira. E muita! Ícone da poesia marginal, esteve entre as precursoras de uma poética engajada pelo ponto de vista feminino.
Nos últimos anos, tem se dedicado a uma tarefa árdua, porém, como ela mesmo define, prazerosa. Leila Míccolis tem sido uma espécie de esteio na divulgação e propagação da boa literatura pela Internet, a rede mundial de computadores que une povos de todo o planeta num simples clicar de mouse.
Pois bem, esta edição do Correio das Artes abre espaço para o mais recente e massificante meio de divulgação da poesia e da literatura de uma forma geral. Nos últimos meses, então, começaram a proliferar blogues (uma espécie de diários virtuais) por todos os sites e provedores, onde seus autores rascunham poemas e impressões de literatura. Alguns até de boa qualidade, outros ainda tateando a ausência de talento.
Aonde isso vai chegar? O livro impresso vai, enfim, ser relegado a um segundo plano na escala de consumo dos leitores ou resistirá ao poder avassalador da Internet? Leila Míccolis discorre sobre essas e outras questões, com conhecimento de causa e bom humor, como é de seu feitio.
Afinal, é uma das responsáveis pelo maior site de Literatura existente no país (o Blocos Online), site que caminha para ser o maior também da América Latina.
Uma leitura interessante para esse início de maio. De preferência, deitado numa rede...


 
CAIU NA REDE... É POESIA? 

Leila Míccolis fala sobre o sucesso do Blocos Online e conta o que mudou em sua concepção poética nos dias atuais

1. O Blocos Online é o maior site de literatura do Brasil e, corriga-me se tiver errado, da América do Sul. Fale um pouco sobre a construção desse projeto, desde o início até os dias atuais, sobre as dificuldades e as gratificações de editar um site voltado para o público literário. 
• LM – Blocos tem uma estatística de números reais. Há sites com números maiores de textos, os que permitem que os próprios leitores criem suas páginas automaticamente, entrando cada um com número ilimitados de niks, para terem mais trabalhos online. Com esses números virtuais, obviamente Blocos não compete; porém entre os sites com poetas de nomes verdadeiros, Blocos é sem dúvida o maior do Brasil e caminha para ser, de fato, o maior da América Latina. Blocos de duas pessoas – Urhacy Faustino e eu – abrigando milhares. Começou como jornal impresso e no número 30 (abril 1991). A partir do nº 31 (março de 1999) foi transformado em revista, e o nº 32 – o mais recente – data de julho de 1999. Em julho de 1996 entramos na Internet com Blocos Online e, se a publicação já viajava pelo mundo, através da web ampliou-se: em março, de 1º a 31, tivemos a visita de 88 países, 92.981 visitantes, tráfego de 315.818 páginas, 943.518 arquivos e 1.131.130 hits, ou seja, mais de um milhão de cliques nos links de Blocos Online (esta pesquisa fornecida pelo Terra Empresas encontra-se disponibilizada no site). E agora, com a parceria da Interamericana, fornecendo-nos o suporte de que precisamos, estamos  implantando banco de dados e mudando toda nossa estrutura interna, para poder ampliar áreas e aprimorar serviços. O novo Blocos estará online ainda neste mês, abril 2004. 
 

2. Como foi o trabalho de catalogar tantos autores diferentes, de épocas distintas, no site? 
• LM – Como foi, não, como continua sendo... É trabalhoso, mas prazeroso, também. De todos os gêneros literários, a poesia é o meu preferido, por configurar-se em um sistema de sistemas – como bem definiu Lotman, uma relação de relações. Devido a esta minha predileção, desde a década de 70 venho catalogando exemplares da imprensa alternativa (essencialmente cultural e poética), reunindo livros em meu acervo, lidando com todos os tipos de tendências, e atualmente mergulhando também nos mares da teoria e da ciência da literatura, para analisar os movimentos da poesia atual. Blocos Online trilha este caminho: apresenta desde a poesia mais tradicional até as manifestações da transvanguarda, um modo de divulgar algumas correntes contemporâneas pouco conhecidas, de compartilhar informações e de mostrar a rica variedade das formas que constituem nossa poética. Posso resumir dizendo: é a homenagem diária de quem AMA a poesia, e aplaude suas manifestações plurais. 

3. Blocos talvez tenha sido um dos pioneiros na rede mundial de computadores. Como você vê hoje a proliferação de sites e revistas literárias na net? 
• LM - Sim, foi um dos primeiros. Há um dado, a meu ver, muito positivo nesta proliferação: sinal de maior interesse, de maior público, de mais pessoas voltadas à literatura; no entanto, a rapidez na emissão ou na recepção das mensagens pode gerar uma atitude impulsiva desastrosa, sem cuidado no conteúdo da comunicação. Ávidos de estarem sempre em dia com a informação há pessoas que transmitem boatos, falsas notícias, “autores anônimos”, ou poemas sem o consentimento de seus autores. Para que a Internet não se torne “terra de ninguém”, é necessário a procura da veracidade de qualquer informação, se possível citando fontes, e o respeito ao direito autoral. Blocos Online só publica quem autoriza expressamente a divulgação de seu texto; quanto aos autores falecidos cujas obras ainda não estão em domínio público, temos expressa autorização da família para publicá-los. Assim, demonstramos zelo, seriedade e respeito para com os autores, os leitores e o próprio site.

4. O público que lê um poema de Leila Miccolis, por exemplo, no site da Blocos é o mesmo que lê um poema da Leila em um livro? 
• LM - Acho que já há um grande entrecruzamento entre o público de livros impressos e o leitor cibernético. No entanto, embora o acesso à Internet esteja crescendo rapidamente, a maioria da população letrada ainda não a possui. Em contrapartida, há muita gente que não me conhecia em livro, e que passou a conhecer minha obra pela Web. Então, é inegável a existência deste público “novo” que nunca me procurou em livraria (no caso de ter o hábito de freqüentá-la), porque não me conhecia – aliás, mesmo me conhecendo, não me encontraria lá, já que meus livros se encontram todos com tiragens esgotadas. Em termos pessoais, acho que um poema impresso tem sabor diferente do visto na tela de um computador: nem pior, nem melhor, apenas diverso, até porque são veículos diferentes, com diferentes instrumentalidades.

5. Como você tem acompanhado uma outra febre que começa a se espalhar pela net: a dos blogues? Eles não incentivariam a publicação de poesias de qualidade duvidosa? 
LM – Pessoalmente, não gosto de blogues, porque eu os associo a uma espécie de diário e, confesso, não são todas as pessoas com as quais eu gostaria de entrar na intimidade e partilhar o seu dia-a-dia... rsss... Também, como não há necessidade de coerência ou unidade, os assuntos em geral são picotados demais, “leves”, ligeiros, superficiais. Mesmo os “darks”, acabam tornando-se “darks lights”... Raros os autores, neste formato, que conseguem ser sintéticos, conservando sua intensidade dramática, e nos emocionando todos os dias... Meu desagrado, porém, não se veicula à questão do valor estético, muito ligado, ainda hoje, a subjetivismos beletristas; além do mais, sou escritora e leitora, e não censora ou juíza. Como já escrevi em um verso meu, a propósito desta questão, “quem precisa de nível é caixa d´água”. E é justo neste sentido que vejo os blogues desenvolverem um excelente exercício de criatividade: através de uma interação participativa, eles, por um lado, incentivam comentários, críticas e sugestões do público (sem o qual uma obra não se realiza plenamente), e, por outro, estimularem o treino constante, a prática regular e sistemática da literatura, fazendo nascer o “hábito” de uma escrita e de uma leitura diárias, acabando por constituírem-se em importante e dinâmico aprendizado coletivo.

6. Você tem sua origem literária na poesia marginal. Você não acha que os sites existentes na internet não têm um pouco também dessa coisa da poesia marginal, sem aquela sistematização e racionalismo que geralmente estão embutidas na produção de um livro, por exemplo? 
• LM – Não acho não. Não tem nada (ou muito pouco) daquela época, a começar pelos pressupostos ideológicos. Enquanto os próprios poetas consideram a Internet como uma vitrine, nós, da Geração 70 a víamos como resistência. Em uma passarela, os poetas se preocupam em sobressair, aparecer, exporem-se ao máximo; tudo o que a Geração 70 não queria era aparecer, para não ser cassada pela ditadura militar, silenciada em obras ou vidas. Nada de holofotes. Queríamos romper o cerco do silêncio, intercambiar, mas em surdina. Esta postura fazia com que a própria linguagem fosse outra: breve, como comícios relâmpagos, como um narrador o tempo todo, ameaçado de modo, a qualquer instante. Caçarem nossa palavra, naquela época, podia ser fatal. Hoje, nos sites ou nos zines eletrônicos, se nos caçarem as palavras, as substituiremos por emoticons... risos... Por fim, o traço diferencial que me parece mais marcante, é que a poesia “marginal” – leia-se à margem do sistema tradicional de produção e circulação dos livros –, orgulhava-se do poeta acumular as funções de autor, produtor e vendedor, interferindo e até executando, muitas vezes, todas as fases do processo editorial... O mão-a-mão era uma “bandeira altaneira”, ostentada com altivez. Neste sentido, os poetas “marginais” também eram chamados de “poetas independentes”, “alternativos”, porque eles existiam, mesmo sem que nenhuma grande editora os descobrissem e o promovessem, através de uma atitude alternativa no mercado editorial. Na Internet, acontece exatamente o contrário, as pessoas sentem-se “lesadas” ou “injustiçadas” em investir em si mesmas: o poeta geralmente acomoda-se às facilidades com que a rede lhe seduz e tenta “levar vantagem” em tudo, iludindo-se (ou fingindo iludir-se) com a pseudo-gratuidade de seus serviços, como se alguma vitrine no mundo capitalista não tivesse os seus custos e ônus repassados e embutidos nos descontos, promoções e brindes...

7. Além de ser um site literário, Blocos também é uma editora. Como é lidar com essa contradição: entre o imediatismo e a interatividade da net e lentidão na resposta após a produção e lançamento de um livro? 
• LM - Estou pouco com a editora atualmente, já que o site me absorve 12 a 16 horas por dia (sem esquecer que até agora vivemos exclusivamente do que escrevemos, e não do site...). É o Urhacy Faustino, meu companheiro de vida e arte, quem está mais com esta parte, até porque entende de programação gráfica muitíssimo mais do que eu. Confesso que perdi um pouco o ânimo diante das editoras que se encontram na Internet, em geral com uma produção precária (diferente da precariedade da “Geração 70”, proposital, protesto de um tempo em que o mimeógrafo era considerado instrumento de alta periculosidade, podendo enquadrar seus donos na Lei de Segurança Nacional) e de fundo de quintal, até porque muitos editores, novos no mercado, não sabem sequer o básico. No caso das editoras exclusivamente online, os textos constantemente são jogados em páginas toscamente feitas em htm ou html, e este banco de dados, disponibilizado de forma apressada, simplória e sem arte, recebe o pomposo nome de livro virtual (quando só deveriam ser livros virtuais os que usam os recursos específicos do cyberespaço, tais como links, animações, interatividade, etc.). Por isso o binômio: rapidez net x lentidão gráfica não me parece ser o aspecto mais trágico dentro da complexa questão editorial. Pior do que esta defasagem, própria de tipos de mercados diversos – mesmo que ambos lidem com a mesma matéria prima –, é o comportamento dos próprios autores que não percebem que estão pagando caro por um produto ruim. Chegam a achar “lindos” esses livros de páginas soltas, sem diagramação, com corte mal-feito de papel, poemas amontoados, etc. – comportamento que parece-me ameaçar a própria concretude do texto, pois quem não consegue distinguir o óbvio, na vida real, dificilmente saberá transmitir, com clareza, os complexos meandros da alma humana, em sua obra. Tais autores me fazem lembrar aquela piada do marido que chegou exultante em casa dizendo que veio correndo atrás do ônibus e com isso economizou R$ 2,00. Ao que a mulher contra-argumenta, dentro desta lógica, que ele deveria ter vindo atrás de um táxi para lucrar R$ 20,00, portanto, mais... Se isto é lucro... risos...

8. Você tinha um projeto, na época dos 500 anos do Brasil, de lançar uma antologia contendo poetas desde os tempos do Descobrimento. O que fez o projeto não ir adiante? A ousadia? 
• LM – O capital. Mas, espera aí: quem disse que o projeto não foi adiante? Com o novo Blocos On Line no ar temos certeza de que conseguiremos o tão sonhado patrocinador. No Brasil, é assim, em termos de cultura: quem não tem incentivos fiscais, governamentais e outros ais, precisa fazer um circuito cheio de curvas para atingir suas metas. Já estamos acostumados a trilhar o caminho mais longo e demorado... mas nem por isso desistimos até hoje de projeto nenhum. Enquanto ele não se viabiliza, aproveito para adicionar mais algumas preciosidades e tentar obter mais algumas autorizações das famílias dos poetas modernistas falecidos, cujas obras ainda não se encontram em domínio público.

9. Há mercado, de fato, para a literatura brasileira? Falo de mercado em termos de consumo mesmo. 
• LM – Se não houvesse, as grandes editoras já teriam falido. O problema, a meu ver, tem raiz – insisto - nos próprios escritores não vêem o livro ainda como um produto de compra e venda. Reclamam, por exemplo, de pagarem caro o seu livro e o doam aos amigos, familiares e estranhos. Regateiam o preço da produção gráfica, para depois distribuírem a obra, que está “entulhando” sua casa. Ou seja, eles são os primeiro a menosprezarem o significado do que escrevem e minarem este mercado consumidor. Que se reserve uma parte da tiragem para dar de presente e também para a divulgação, mais do que normal. Porém, querer só dar e receber de graça o que teve um custo, e alto, é desvalorizar o produto, e desvalorizar-se também. Não entendo muito do assunto, mas creio que não haja “mercado” sem consumidor... E, para consumir, há que se valorizar o que se consume, há que se querer consumir, agir dentro da “lei da oferta e da procura” ou seja: comprar e vender. Na prática, já vi autor afirmando: “se eu posso editar quase de graça na Internet, por quê vou pagar mais para publicar um livro impresso?”. Eu poderia editar vários livros explicando o porquê... É esse desamor para com o livro que acaba depreciando-o, esvaziando-o enquanto objeto mercadológico (será que alguém compra um carro com a lataria enferrujada e batida só porque é sai um pouquinho mais em conta???).  Enquanto o próprio escritor não tiver consciência de que ele é uma parte vital deste processo, enquanto não enfrentar esta realidade, em vez de solapá-la, teremos simultaneamente um mercado paralelo de trocas, prejudicando o de compra-e-venda. E, em uma sociedade capitalista como a nossa, se alijamos um produto do comércio, estamos comprometendo a sua circulação - seja um sapato, um tijolo, uma idéia ou um poema. 

10. Vamos falar agora de sua poesia. Da poesia marginal e a contracultura dos anos 60/70 até os dias atuais, o que mudou em sua concepção de fazer e ver poesia? 
• LM – A ironia. A minha primeira fase era muito mais agressiva, e assustava pela violência. A partir dos anos 80 ela se tornou mais sutil, até porque observei com o meu show “A Pequena Notável” que, no palco, o humor age mais rapidamente e com maior eficiência. Por isso, minha poesia até hoje, faz rir primeiro para depois as pessoas perguntarem-se: de quê estou rindo? 

11. Sua poesia já foi classificada de feminista e também de ter um forte enfoque social, na época dos milicos. Esse engajamento social ou político ainda é possível nos dias de hoje ou é coisa datada? 
• LM – O muito que há para mudar-se ainda na sociedade não está ligado exclusivamente a uma época ou a um regime político. Veja Castro Alves, por exemplo, cuja obra foi um libelo contra a escravidão. Até hoje lemos sua poesia de forma simbólica, como um brado contra o preconceito, a injustiça social e a violência, conseqüentemente. Por isso, ela até chegou até os dias de hoje e continua nos comovendo, para além da abolição da escravatura. São os significados conotativos, simbólicos, metonímicos e metafóricos que a poesia carrega em seu bojo, que faz com que ela ultrapasse seu tempo e até mesmo a própria causa a que se destinou, na época em que surgiu.

12. Li que o Ignácio de Loyola Brandão a definiu como um Gregório de Matos em versão moderna. Gostei da definição, porque vejo, também, muito dessa coisa satírica e de deboche em tua poesia. A sátira é o meio mais eficaz para se criticar o status quo? Leila Miccolis seria barroca? 
• LM – Risos... Distancio-me do barroco principalmente pela linguagem... Porém sintonizo-me com todos os poetas que põem a nu a farsa, a hipocrisia, a acomodação, os preconceitos culturais, o pseudomoralismo, a robotização humana, as “verdades imutáveis”, os papéis sociais convencionais massacrantes e massificantes – quaisquer que sejam suas épocas. E, também, aproximo-me de todos os teóricos (dos formalistas russos aos semióticos franceses) que encontraram na desfamiliarização proporcionada pela linguagem poética, uma forma de repensar o mundo, através de outros códigos.

13. Você foi meio que precursora na ousadia de assumir uma poesia feminista, erótica e libertária. Como você vê a poesia produzida pelas mulheres neste início de século XXI? 
• LM – É cedo demais para rascunhar uma análise crítica. De qualquer modo, sinto como um dado muito positivo a multiplicidade de expressões e de conteúdos, um fator de exuberância. Acho que as mulheres já entenderam que a poesia não precisa ser apenas contemplativa, “adequada” a suas emoções subjetivas, isoladas do contexto social, e da participação da história de seu tempo; perceberam que a poesia também pode ser combativa, sem ser didática, sem perder a sua tessitura específica – esta audácia as mulheres da Geração de 70 tiveram: desafiaram romper com a “imagem” de escritoras bem-comportadas, abordando enfoques que, antes, a não ser muito esparsamente, eram impróprios para a poesia e para as mulheres, de todas as idades... Há bastantes poetas/poetisas escrevendo com força, garra e coragem. No entanto, como em todos os tempos, as que ousam algum tipo de transgressão (quer na forma, quer na mensagem, quer em ambas), ainda são uma minoria esmagadora. 

14. Recentemente, em entrevista ao Correio das Artes, Glauco Mattoso disse que o futuro da poesia é o retorno à oralidade. Você concorda com essa previsão? 
• LM - Não vejo muito por aí não. Acho que o futuro da poesia está na convivência simultânea de diversos meios: do livro tradicional à transvanguarda, passando pela multimídia, pela performance, pelo work in progress, pela oralidade, e, principalmente, pela “digitalidade”.

15. Como você avalia a poesia feita hoje no Brasil? Quem são os destaques, em sua opinião? E quem promete vingar no futuro? 
• LM – Como lido com muito autor inédito ou pouco conhecido, acho que seria injusto referir-me só aos nomes consagrados. Mas, mesmo sem citar ninguém em particular, creio que vingarão os poetas que assumirem a poesia como profissão, equiparando-se a qualquer outro profissional liberal, sobrevivendo do seu ofício e se especializando cada vez mais na sua arte, sem pruridos ou puderes de ser pago pelo seu trabalho e viver do que escreve. O diletantismo faz com que a poesia restrinja-se apenas às horas vagas, para distrair ou para satisfazer a vaidades intelectuais egocêntricas. Enquanto, pois, ela for apenas alimento do espírito e não do corpo todo – gênero de primeira necessidade, vital, essencial, visceral (não queremos mais lirismo que não seja libertação, como disse Manuel Bandeira) – pode haver até poetas que se destaquem isoladamente, mas a poesia, enquanto prática cognitiva, nem vingará, nem se vingará de ser constantemente tão esvaziada e alienada.

16. E Leila Miccolis? Tem algum novo livro em mente? 
• LM – Muitos no papel, ou melhor, no micro... Inclusive alguns teóricos.

17. Mas Leila não é só poesia. É também teatro, contos, novelas e até letra de música. Em qual atividade você mais se realiza? Que falta fazer, agora? 
• LM - Tenho ainda um grande sonho a realizar, que vai demorar ainda pelo menos uns cinco anos... Neste ínterim, há muito o que construir. Parece que quanto mais me entrego à literatura, mais descubro que ainda não fiz nem metade do que pretendia...

18. Uma última pergunta: o SBT vem anunciando o retorno do programa Casa dos Artistas. Numa das versões do programa você se inscreveu para participar. Foi só deboche? Você repetiria essa experiência de novo? 
• LM - Acho que agora não. A primeira (e única) Casa dos Artistas era bem mais “light” e ainda dava para se brincar pelo menos com a idéia. Depois do Big Brother, ela fatalmente voltará em outro estilo, cada vez mais voyeurista, e aí, complica... Na época, tudo começou quando o Rodrigo Souza Leão lançou no zine eletrônico dele, o Balacobaco, uma pergunta polêmica: por que nenhuma poeta ousava participar? E eu me apresentei a ele... Ele então “lançou” a indicação do meu nome, pela Internet, e a Mariza Lourenço, pegando a deixa, acabou por “chegar às vias de fato”: me inscreveu – mas, óbvio, sem que eu tivesse nenhuma chance de ser selecionada pela produção: era mais uma provocação do que uma candidatura... E, realmente, o objetivo foi atingido: pela reação indignada de várias pessoas que me escreveram constatei que o poeta continua com territórios limitadamente demarcados, circunscritos a determinadas áreas, fora das quais é quase que “proibido” de transitar... Era como se, ao participar de um programa deste tipo, eu deixasse automaticamente de ser poeta, como se fosse “expulsa do paraíso” por um pecado gravíssimo contra a Humanidade, ou como se fossem secar o manancial e a “essência” de “belas imagens” dentro de mim... Ou seja, em plena “era tecnológica”, ainda estamos mais para os ideais românticos do que para as estratégias de marketing. Portanto, mesmo sem entrar para a Casa dos Artistas, creio que consegui meu intento: o de chamar atenção para a poesia, ao questionar não só o que ainda se espera do poeta, como também o âmbito de sua atuação, dentro de uma cultura cada vez inserida nas mídias eletrônicas e digitais.

Entrevista publicada no Correio das Artes (Jornal A União), em 01 e 02/05/2004, nº 59, ano LIV, edição edicada a poesia na internet - págs. 4, 5 e 6.
Site do Correio das Artes: <http://auniao.pb.gov.br/index.shtml>
Blog do editor do Correio das Artes: <http://linaldoguedes.blog.uol.com.br>