"BLOCOS ONLINE COMEMORA 12 ANOS NA INTERNET"
Camilo Mota
Editor do Jornal Poiésis
Entrevista publicada no jornal Poiésis - Literatura, Pensamento & Arte, nª 148, Julho 2008 (Ano XIV), pag.10-11, Bacaxá/RJ (distribuição: Saquarema, Araruama, Cabo Frio, Arraial do Cabo, S. Pedro da Aldeia, Petrópolis e Rio de Janeiro).
Residindo em Maricá, poral de entrada para a Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, num sítio em que cãos e gatos ganham amparo mais que merecido, Leila Míccolis tem um olhar escancarado para o mundo. Tendo se destacado na década de 70 no movimento literário brasileiro, foi nos anos 90 que trouxe à luz um dos projetos mais bem sucedidos na Internet brasileira: o site Blocos Online (www.blocosonline.com.br). Com ajuda essencial de Urhacy Faustino, o trabalho virtual-cultural comemora em julho 12 anos. Em entrevista ao Jornal Poiésis, Leila Míccolis fala sobre o início de Blocos, dá sua visão da importância das tecnologias na divulgação da cultura no país e no muneo d=e ajuda-nos a uma reflexão bem-equilibrada sobre o fazer artístico contemporâneo.
• Poiésis - Em julho, o Blocos Online comemora 12 anos. Como foi o início dessa idéia e suas expectativas na época, quando a Internet era ainda um bebezinho?
Leila Míccolis - Eu já tinha lido sobre a Internet e fiquei interessadíssima, porque foi em uma época em que Urhacy Faustino e eu não estávamos mais podendo fazer o jornal impresso, o que me deprimia bastante; só que, fazendo contas na ponta do lápis, o que gastávamos com o jornal daria para comprarmos um apartamento (e, na época, morávamos de aluguel, no Rio...). Então, a Internet pareceu-me (e de fato foi) um modo de continuarmos com nosso projeto de resistência cultural dentro de nossas possibilidades financeiras. No entanto, eu não tinha muita convicção nos resultados. Quando o provedor colocou o primeiro número de Blocos no ar (acanhado, pouquíssimas páginas, mas para nós um tesouro inestimável, tanto que até hoje tenho a cópia impressa em papel), eu, eufórica, saí navegando pela Internet. Naquela época havia pouquíssimos sites literários, no máximo dez, e encontrei um que me pareceu parecido com o nosso. Era o do Leandro Indrusiak. Escrevi-lhe um e-mail, e ele, que por coincidência estava on line naquele momento, na mesma hora respondeu. Entusiasmei-me. Porém mais maravilhada ainda fiquei quando ele colocou um link para Blocos de imediato, na página dele. Eu achei meio mágico: abracadabra!... e fez-se o contato. Pelo Correio, cada resposta demorava às vezes um mês para chegar, e, pela web, ela podia vir instantânea. Desde então, apaixonei-me definitivamente. Até hoje, acho que cada vez mais. A Internet não perdeu sua magia, para mim. É um meio de comunicação que todos os dias me traz uma boa surpresa, uma descoberta, uma inovação, um aprendizado, um reencontro, uma alegria.
Lembro-me que foi muito difícil assumir a feitura do site , a seguir, pois nem Urhacy nem eu entendíamos nada de informática. Partimos do zero. Ou melhor, o Urha ousou primeiro. Vendo que o provedor não era ágil nas atualizações, ele começou a tentar entender de html . Tivemos auxílio de três grandes amigos, primeiro o Luiz Paulo Serôa, poeta também, depois o Gilberto Weissmüller (da UFRJ), e por fim o Felipe Magalhães (designer) – eles nos ajudaram muitíssimo. Porém, sem o fôlego e a determinação do Urhacy, não chegaríamos ao que somos hoje, um megaportal, aliás, nem teríamos sobrevivido. Deu-se, porém, que, com o crescimento de Blocos, o Urhacy passou a ter muito trabalho com a editora, que era área dele, pois já trabalhara com ela, em São Paulo, e começou a sobrar pouco tempo para o site . Então, só depois de Blocos totalmente desenvolvido e consolidado é que me interessei também em aprender a linguagem dos htmls, para não parar com ele Blocos já estava, na época, com cinco anos na web .
Atualmente, temos um Conselho Administrador de grandes nomes, respaldando nosso trabalho (Affonso Romano de Sant'Anna, Alcides Nogueira, Arnaldo Niskier, Carlos Heitor Cony, Carlos Nejar, Gilberto Mendonça Telles, Glauco Mattoso, Lêdo Ivo, Mauro Salles, Nélida Piñon, entre outros). Somos o único portal de literatura a receber o prêmio internacional (de origem italiana) Qualidade Brasil – uma estatueta que parece a do Óscar, quase maior que eu...), além do reconhecimento da UNESCO. E do apoio do Bradesco. Como se não bastasse, acabamos de saber que Blocos Online foi indicado em livro didático, para consulta, a alunos de segundo grau, através da Gramática de Língua Portuguesa dos Professores Carlos Emílio Faraco & Francisco Moura, "Português: Projetos" (Ed. Ática). Tudo confirma o que eu disse antes, Blocos nos proporciona muita alegria, há 12 anos...
Poiésis Qual você considera como a maior conquista nesse período de construção de uma nova mídia para a divulgação da literatura e da cultura em geral?
Leila Míccolis - Duas coisas continuam me impressionando (e fascinando) em termos de Internet, e creio que são duas magníficas conquistas, se forem usadas lúcida e conscientemente: a agilidade da recepção – a rápida troca de informações na comunicação (às vezes, simultaneamente, falo com França, Japão e Brasil) – e o largo alcance desta comunicação. Temos 136 países acessando o portal constantemente; uma visitação de 1.300.000 pessoas, mensais, pelas estatísticas do nosso provedor; recebemos e-mails de todas as partes do mundo, até mesmo de países que eu nem sabia da existência (confesso, as aceleradas mudanças no mapa geopolítico mundial às vezes me surpreendem). Esta aproximação, inclusive com países estrangeiros, emociona-me muito. Saber que somos lidos pelos cinco continentes, e receber uma palavra de entusiasmo em idiomas híbridos (muitas vezes: afro-brasileiro, portunhol, franco-lusófono, niponês, etc.) me toca profundamente. Nestes doze anos consegui muitos amigos “virtuais”, que até hoje demonstram concreta e inequivocamente seu inestimável apoio nas difíceis horas de desânimo, existentes sempre – fazem parte da trajetória.
Poiésis - O avanço do mundo virtual e as constantes evoluções tecnológicas fazem bem à literatura? Ou tornam tudo uma mistura louca em que o sentido de qualidade e de estética depende somente da individualidade de cada um?
Leila Míccolis - Creio que elas em si não fazem bem ou mal, porque esta aferição de valores depende muito do uso que as pessoas fazem da tecnologia. O que eu estranho muito – no universo virtual ou fora dele – é o julgamento da literariedade das obras atuais dentro dos mesmos parâmetros calcados ainda do Modernismo ou em Escolas/movimentos anteriores... Percebo claramente um impasse: ou entendemos mais a fundo a contemporaneidade (mesmo com a dificuldade de estarmos imersos nela) ou continuaremos a julgar a literatura através de cânones modelares de tendências passadas. Acho que a Internet nos mostra isso transparentemente, através do imenso banco de dados que disponibiliza – acervo que não teríamos acesso, por não conhecer os autores (Viva os hipertextos!). Esquecer que a pós-modernidade tem especificidades próprias, e que o culto ao banal é uma de suas características oriundas da perda da aura da obra de arte (salve, Walter Benjamin!!!) é deixar de analisar a riquíssima gama de paradoxos nela contidos. Até na característica da mistura de estilos e estéticas transparece a intertextualidade de muitas dessas propostas emergentes, com tipos de perspectivas diferentes das tradicionais, o que eu considero muito saudável.
Poiésis - No Blocos Online, no momento em que agora conversamos, estão registrados mais de 3 mil poetas... e ali aparece uma pergunta: Poetas, quantos somos? Somos um país de poetas?
Leila Míccolis - Pois é, poetas temos mais de 3.000 on line (fora todos os prosadores) – e ainda estamos migrando muitos do site antigo para o novo portal <www.blocosonline.com.br>, a transferência ainda não está feita integralmente. Quanto à pergunta “Poetas brasileiros, quantos somos?”, ela constitui-se no título de uma pesquisa que venho desenvolvendo já há bastante tempo – constante do meu livro “Alternativivências” (registrado no EDA em 1985) – ainda inédito. A intenção é listar o maior número possível de poetas: tenho mais de 15.000 nomes (e ainda acredita-se no jargão de que “a poesia morreu”...), porém estou disponibilizando a pesquisa muito devagar, pois o tempo é pouco para acabar meu Doutorado na UFRJ em Letras (Teoria Literária), trabalhar em meus projetos pessoais, dar aulas, participar de Congressos Acadêmicos, aceitar convites de palestras fora do Rio, e administrar o portal, o que requer responder a e-mails, lidar com o Banco de dados, etc... Aos poucos, porém, a informação está sendo democratizada. Com relação a esta pesquisa, há uma observação interessante: até o começo do século XX conhecíamos, no máximo, uns 300 poetas brasileiros (provavelmente até menos); depois das quatro Gerações do Modernismo, este número multiplicou-se cinco, seis, sete vezes, e, atualmente, é infindável: a cada dia acrescento mais nomes de poetas à minha listagem. Creio ser um dado significativo para a Literatura Comparada, que merece, simultaneamente, uma reflexão mais ampla, abrangendo os campos históricos, sociológicos, antropológicos e políticos.
Poiésis - Citei os livros na pergunta anterior, não sei razão, pois Blocos é também uma editora. Como está hoje essa estruturação editorial do Blocos?
As atividades gráfico-editoriais estão paralisadas no momento. Eu e Urhacy somos dois escritores que vivem profissionalmente de literatura, do que escrevem, então não temos como investir em mais de um setor ao mesmo tempo. E eu, neste momento, opto pela Internet, até porque, apesar de me absorver dez a doze horas de trabalho diário, proporciona-me mais prazer, mais gratificação afetiva e emocional. No entanto, venho tentando conciliar a editora com a web : há ano e meio, comecei a criar Antologias Digitais: a Saciedade dos Poetas Vivos já vai para a 7ª edição, e convidamos sempre dois poetas famosos que: Affonso Romano, Antonio Carlos Secchin, Astrid Cabral, Geraldo Carneiro, Gilberto Mendonça Teles, Glauco Mattoso, Lêdo Ivo, Martha Medeiros, Neide Archanjo, Suzana Vargas, Thiago de Mello, entre outros. No começo, houve quem não acreditasse que um projeto dessa monta pudesse ser desenvolvido pela Internet (em geral predomina o preconceito da visão da rede apenas como uma mídia superficial e pouco criteriosa). Porém ele aí está: aplaudido e prestigiado. Este reconhecimento é muito significativo para nós : sinaliza que essa seleção cuidadosa e esse acesso gratuito à obra de diversos autores brasileiros fornecem um amplo panorama da nossa poesia atual, uma expressiva visão de conjunto não só para os nossos críticos, como também para os leitores de todos aqueles 136 países citados. Não conseguiríamos isso nunca através de nossas acanhadas edições de 1.000 exemplares, que mal circulavam dentro do nosso próprio território. Com a Internet, a divulgação é ilimitada.
Há sempre quem me pergunte se não existe o risco dos e-books substituírem o livro; nestas ocasiões, lembro-me de que, no início do século passado, havia o medo de que o cinema matasse a fotografia... Creio que a Internet pode incentivar a venda do livro, sem correr o menor risco substituí-lo, porque ao virtual falta o sentido táctil: a vivência da textura do papel, o prazer de folhear as páginas, de se ler uma dedicatória feita a mão, etc... A meu ver a Internet funciona como uma vitrine, um chamariz: quem aprecia a obra de algum autor lido no ciberespaço, vai procurar mais obras dele em uma livraria, eu própria faço muito isso. A Internet não é inimiga da obra impressa, pode vir a ser, ao contrário, uma poderosa aliada, e, neste caso, ela amplia horizonte, torna-se uma opção a mais para a classe média – que é, efetivamente, a que mais lê. Ela pode incentivar, promover e criar o hábito da leitura, desde que não nos armemos defensivamente contra ela.
Poiésis - Você fez parte da Geração Literária dos anos 70. A criatividade daquela época, ainda em meio à repressão política, ganhou novos ares hoje com a democracia?
Leila Míccolis - Pessoalmente, não encaro a produção da Geração de 70 como uma literatura envolvida apenas com a repressão política da época; se pensasse assim, seria obrigada a achar que ela findou-se com a volta à normalidade democrática. Falávamos (e falamos) de uma repressão mais ampla, não só a proveniente de regimes de exceção. Nosso alvo maior eram (e são ainda) os autoritarismos sutis tão arraigados que são quase imperceptíveis nas relações familiares, sexuais, consumistas, afetivas, ecológicas, etc., As palavras de ordem vazias. As hipocrisias, os pseudos-moralismos, o ensino cotidiano da submissão, da omissão e do acomodamento. O lixo debaixo do tapete. Contestávamos a micro-física do poder, que está presente em todos os tipos de regimes políticos, infelizmente. Neste sentido, a democracia não afetou muito o nosso “discurso desconstrutivo”, porque não queremos apenas uma democracia abstrata, demagógica e irreal, queremos cidadania. E neste ponto concordo com Ianni quando ele afirma que nosso país é constituído de uma população que não se tornou povo , devido ainda aos sérios problemas que enfrenta de cidadania. E, entre eles, não posso deixar de incluir a luta por direitoçs e oportunidades iguais, na minha área, mais especificamente, a regulamentação da profissão do escritor – pois enquanto ela não existir, nunca teremos consciência de classe: com deveres, mas com direitos também...
Poiésis - De ontem para hoje, e de hoje para amanhã: como você projeta sua visão de uma cultura literária no país para os próximos anos?
Leila Míccolis - Os autores atuais mostram que uma das características mais marcantes da pós-modernidade é a vivência do hoje, do eterno instante... Não sei fazer prognósticos para o futuro, porém espero que continuemos com o hábito salutar de conviver com a pluralidade de falas, abertos ao novo, sem negá-lo de antemão, mas com o ânimo de dialogar com ele, de forma reflexiva e crítica.
Poiésis - Eu não poderia terminar essa entrevista sem perguntar a você sobre os gatos, cães e esse monte de bicho que vive ao nosso lado... Se em “poetisa todo mundo pisa” (como está escrito em seu site pessoal), quão forte é também o descaso com os animais em nossos dias... Qual sua visão (poética ou não) sobre isso?
Adoro animais e entre minhas várias frentes de luta está o respeito pelos animais, assino todos os abaixo-assinados, divulgo, sou terminantemente contra a circos com animais, rodeios, touradas, Farra da Baleia, na Dinamarca, Farra do Boi, no nosso Nordeste, a comércio ilegal de animais – os perfumes de almíscar já estão também riscados de minha vida há muito tempo –, enfim, tento vivenciar e promover ao máximo campanhas em prol da dignidade animal (por extensão à humana). No meu site , há o “RaBicho”, coluna de Bárbara Bandeira Benevento (sobrinha-neta de Manuel Bandeira) e o “Ronronos e Latidos”, da médica da SUIPA, Drª Priscila Sena, ambas abordando temas e promovendo discussões especificamente sobre estas questões. No entanto, ainda estamos longe da conscientização mais ampla, na prática diária, sei bem disso. Aqui, em Maricá, ainda furam os olhos dos macacos, para que eles fiquem “mansos”... Recebemos diariamente pedidos de ajuda tristíssimos, denúncias horrendas, verdadeiras monstruosidades, e sofro muito por não poder solucioná-los, é um tipo de impotência social que me machuca muito. Atualmente, em nosso sítio, abrigamos cerca de 35 gatos e 40 cães, muitos deles deixados em nosso portão em condições bárbaras, à morte. É um trabalho assistencial bastante dispendioso (não só de gastos como de tempo). Sou naturalista, não como carne de nenhuma espécie, não uso couro ou peles legítimas e questiono muito uma evolução humana que em plena era tecnológica continua precisando do sacrifício de seus pares (esquecemos constantemente de que todos somos animais) para sobreviver ou para curar-se de seus males. Também não compro produtos de firmas que fazem testes de laboratório com animais, divulgo inclusive a lista deles em meu site . Pode parecer uma atitude um tanto rígida de minha parte, mas comprometimento precisa ser por inteiro: não sei ser ligeiramente militante, nem ligeiramente escritora...