Christina M. Herrmann é poeta, webdesigner. Carioca, vive atualmente na Alemanha. Comunidades no orkut: "Café Filosófico das Quatro", "Sociedade dos Pássaros-Poetas" ambas de entrevista e "Orkultural" em parceria com Blocos Online.
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Coluna 38 - 2ª quinzena de março
próxima coluna: 8/4
POESIA, CRÔNICA & CONTO
Destaques desta edição:
Poesia (Orkultural): Bilá Bernardes, Rainer Costa e Rejane (Mel) Britto.
Crônica: "O que é um texto?" de Solange Firmino
Conto (CF4): "Outono nas Araucárias" de Luiz Henrique Ribeiro da Fonseca
* * *
TEMPORAL
Bilá Bernardes
o vento vira a esquina
traz folhas em redemoinho
cria vida em rodopio
depois vem a calmaria
veio o vento só lembrar
que o tempo é imprevisto
vou sair para dançar
SOLIDÃO
Rainer Costa
A solidão é meu encontro
com o vazio existencial.
É a metafísica do ser;
ausência do fundamental.
A solidão é a angústia
entre o desejo e a censura.
É a porta de um mundo interior
que nos leva à própria dor.
A solidão é pura
e faz-se recomeço no fim.
Solidão que reflete a amargura,
a harmonia e a paz
dentro de mim.
ENCANTO
Rejane (Mel) Britto
a poesia me fascina
pois do pranto
converte lágrima em riso
onde rolam as cachoeiras
e nas beiras
sem juízo
que eu rio
(quase acalentando
minha sina)
satisfaz-me
as tormentas
– por enquanto –
* * *
CRÔNICA
O que é um texto?
Estava em uma aula de redação falando sobre texto. A turma de primeiro ano do Ensino Médio não estava nem aí para isso, os alunos normalmente acham que texto é um monte de palavras escritas, e sempre está escrito algo que eles não entendem e têm que decifrar na “interpretação de texto” Então, é isso: texto é tudo aquilo que está escrito e que o professor chato vem com a mania de mandar interpretar.
Com três histórias de quadrinhos de humor, tentei mostrar como a linguagem verbal e a linguagem não-verbal podem fornecer elementos para compor um texto. Mais que tudo, queria que compreendessem que quando falamos em “ler um texto”, não nos referimos exclusivamente a textos escritos.
Os textos se manifestam em nosso cotidiano nas mais diferentes linguagens, e eu mostrei os cartazes na sala de aula, lembrei dos anúncios, das placas, dos filmes, das pinturas... Falei que a leitura deve ser ampla, que devemos levar em conta todos os códigos que uma mensagem pode veicular, não só as palavras, mas as imagens, as expressões faciais e os gestos também contam na leitura de um texto e são importantes na hora da composição.
Num inconsciente exercício de metalinguagem, um aluno me interrompeu e perguntou: “Professora, a senhora é evangélica?” O aluno compôs um texto com os elementos que viu em mim e ele mesmo enumerou: estava sem brinco, sem maquiagem, blusa sem decote (como se todas as evangélicas fossem assim...). Isso é o que as teorias tanto falam: o aluno não chega “vazio” na escola. O que podemos fazer é “arrumar” esses conceitos, mostrar as possibilidades e, principalmente, fazer a mediação entre o conhecimento intuitivo do mundo e o conceito.
Desde que o sujeito começa a falar e a interagir com os outros através da linguagem como representação do pensamento e do mundo, ele vai construindo uma representação mental para o interlocutor. Seu texto é o resultado do seu pensamento. Certa vez aluna da turma de alfabetização, ao ler a palavra “uma” em uma frase, pulou toda contente e apontou para o mar, a praia do Leblon, que dava para ver da nossa sala de aula: “u má”. Ela quis dizer “o mar”, ainda não tinha assimilado que falamos de um jeito e escrevemos de outro.
Na interação texto e leitor, eu entendi o que ela quis dizer, captei seu ‘texto' e a importância dele na iniciação ao mundo do texto escrito e na reconstrução da noção de fala e escrita, que vem assim espontaneamente. O aluno traz uma bagagem lingüística e social que deveria ser material constante para a busca de novas experiências.
Só aprendemos a ler, lendo. Só aprendemos o que é um texto, lendo o mundo a nossa volta. Construímos sentidos na leitura do mundo e nos adaptamos a ele. Só a partir desse conhecimento é que podemos modificá-lo. Quando combinamos partes até obtermos um todo que esteja ligado, que transmita uma significação em uma idéia clara, temos um texto. Foi evidente que o aluno leu um texto em mim. E foi até fácil convencê-los de que existe texto não-verbal. Difícil foi convencer a turma de que eu não sou evangélica.
Solange Firmino
***
CONTO
Outono nas Araucárias
A casa estava às sombras e aquecida. Eduardo colocou sua pasta sobre o console de mármore, contornado por um filete de cobre que combinava com a moldura do espelho oval, no qual Esther volta e meia costumava se retocar antes de sair. Foi à sala de estar e na janela, vislumbrou a rua quase deserta e o meio-dia cinzento. Garoava um pouco e fazia frio. Distante, a Serra das Araucárias permanecia amuada e cinzenta, e ele vagava o olhar, lançando seus pensamentos para além da serra, pensando em Esther, no amor que sentia por ela. Retirou do bolso do paletó de lã a carta que Esther lhe deixara, alegando os motivos pelos quais o abandonara, e começou a ler. Sob a claridade da janela, ele tentava encontrar nas entrelinhas alguma razão, alguma culpa, que justificasse a sensação de desperdício póstumo. Dobrou a carta e a colocou de volta no bolso, sem nada questionar, e voltou-se para fora.
Do outro lado da rua, na varanda de uma casa antiga, dona Arminda fazia crochê, sentada em sua cadeira de embalo, esperando pelos filhos e netos que nunca a visitavam. Diante dela estava o jardim, com seus lírios, crisântemos e hortênsias, e uma pequena alameda de seixos rolados que se estendia até o portão de ferro. De súbito, ela se levantou, ao ver o carteiro colocar uma correspondência na caixa-postal, e tentou gritar, mas o mensageiro partiu em seguida. Lentamente ela desceu os três degraus da escada e caminhou, olhando, investigativa, para a caixa do correio. Submissa e gelada, ela apanhou o envelope, rasgando-o em seguida, e retornou à varanda, forçando o olhar, tentando ler o nome do remetente. Desassistida pela visão fraca, ela subiu a escada, procurando os óculos nos bolsos do vestido marrom de lã pesada, encontrando-os, em seguida, sobre uma mesinha ao lado da cadeira. Com certa ansiedade, colocou os óculos e começou a ler... A cada trecho, ela se inquietava, sem tirar os olhos da carta, tentando decifrar o que havia nas entrelinhas. Depois que terminou, vertiginosa, apoiou-se no parapeito da sacada, e olhou o céu, como numa oração. Os olhos giraram, num pensamento, e voltou a sentar-se, apoiando a cabeça branca no encosto alto da cadeira, pensativa, emblemática, apertando a carta em seu ventre.
Por alguns minutos ela ficou ali, imóvel, sem esboçar paz ou aflição, sentindo os rumores de seus sentimentos, idealizando o que fazer com aquela notícia. De repente os olhos cresceram, num desassossego, e ela se levantou, entrando em casa. Em menos de um minuto as janelas começaram a se abrir, enfunando as cortinas de seda, e ela, de espanador nas mãos, começou a limpar os móveis, arejar a casa, como se todo aquele esforço fosse para receber alguém que há muitos anos não via.
Havia no olhar de dona Arminda uma lucidez, uma energia, mas às vezes ficavam mornos, olhando para além do nada, somando, subtraindo, multiplicando diversas vezes o produto daquela notícia. Depois de tanto esforço, dividiu-se, entre o rancor e uma alegria fingida, entre o amor e o tormento, e por fim, sentiu seu tempo, seu espaço, sorrindo, assistida, olhando para a carta que acabara de tirar do bolso do vestido.
Eduardo se indagou, alheio a tudo lá fora, e num devaneio calculado concluiu que o propósito de dona Arminda em arrumar a casa era por causa de uma visita importante. Eduardo recebeu em sua mente a imagem da mãe arrumando a casa: decorando as janelas com vasinhos de flores, toalhinhas de renda sob os vasos e lustrando o chão. Toda essa lembrança pareceu-lhe tão pequena, tão quase vulgar, que lhe valeu um sorriso. Mas, de súbito, contrafeito, concluiu que todo aquele esmero da mãe era a única forma que ela encontrou para dizer ao marido que o amava; e assim, sucedido de racionalidade, ele chegou ao resultado de toda a operação: dona Arminda iria receber um grande amor do passado.
Em sua prosaica solidão ele ainda acompanhava dona Arminda praticar seu ato de amor. Por um instante, ele pensou em sua velhice, trazendo-a para bem perto de si, e tentou encontrar uma razão que revelasse este mistério, que configurasse alguma recompensa... Desviou o olhar e olhou a tarde, que se estendia pela praça; ouviu o badalar do sino da matriz, viu o galo sobre o campanário, as pessoas que passavam, e ele as seguia, tentando encontrar nos olhos delas uma expectativa, um sonho qualquer...
Sentado em um dos bancos, um velho italiano de chapéu e terno escuro perambulava o olhar, pensativo, como se estivesse ali decifrando seus anos, procurando em seu instante as razões de sua existência. Havia no olhar daquele velho um misto de arrependimento e força, uma robustez, regada com doses de guerra e paz. A tarde fria e bucólica matizava toda melancolia, e Eduardo se sentia frágil, pensando nos dias de sol do passado, querendo entender porque chovia tanto ali. Depois de um súbito devaneio, em que precisou sua solidão, deu-se por vencido, e concluiu que a única herança de se chegar à velhice era a degradação.
Foi ao seu quarto. Abriu a janela, deitou-se na cama, e tentou esquecer que era domingo. Não havia mais o que fazer, a não ser esperar o dia seguinte e recomeçar. O silêncio no quarto era rotundo e ele ligou a televisão para não ouvir o silêncio que morava dentro de si. De canal em canal ele buscava alguns atrativo, mas nada o acudia... Levantou-se e foi à sala de estar, querendo olhar a rua, e quando se postou na janela, tudo havia para olhar, mas a cidade, para ele, estava morta. Buscando desesperadamente algum sinal de vida, ele encontrou apenas em sua memória a imagem de Esther e as filhas, vendo-as sentadas na frente da televisão, assistindo algum programa de domingo. Essa era a imagem mais doída, e foi nelas que ele sucumbiu, inclinando-se ao sofrimento de não poder tê-las ao seu lado. A mesma imagem ele teve dos pais, sentados na sala, buscando razões para entender por que o filho não os visitava com freqüência. Cada imagem tinha seu peso, sua medida, mas a que mais se sobrepunha era a de Esther e as filhas. Aos poucos os planos de uma nova vida se dissipavam, mas ele tentava lutar, querendo trazê-las para perto de si antes que a imobilidade o fizesse de refém. Por fim olhou pela última vez para a praça, a cidade que se estendia até serra, e se abrigou nos retratos espalhados pela sala, pensando em Esther e nas filhas, e em todo o desperdício de não tê-las mais perto de si.
De repente o sol cortou em diagonal a tarde lenta e ele se desligou de tudo, quando viu um senhor de terno marrom e chapéu na cabeça parar em frente ao portão da casa de dona Arminda. Ele trazia flores nas mãos e sonhos na cabeça. Bateu palmas e esperou, olhando a casa com olhos curiosos, como se imaginasse fazendo parte de tudo aquilo. Dona Arminda apareceu na varando com os olhos iluminados e ele, ao vê-la, obsequioso, tirou o chapéu. Ela desceu as escadas, querendo ser veloz, e caminhou pela aléia, se equilibrando na ansiedade. Assim que ela abriu o portão os olhares trocaram rimas de sonetos de amor e a tarde estagnou...
Cada um procurava se equilibrar da emoção, contendo as mãos, refrigerando os pulmões para não serem violados pelas palavras inúteis. Ele lhe entregou as flores, ainda com o chapéu na mão, e, com um sorriso de quem colhia rosas, ela o fez entrar. Ingênuos e delicados os dois caminhavam pela aléia, conversando, trocando olhares indecisos, e chegaram à varanda. Ela o fez sentar e disse que voltaria logo com uma bandeja de chá.
Os segundos passavam; ela lá dentro, ele esperando, preparando seus planos ao lado dela, sem pensar em desastres, em tormentos. Assim que ela chegou, ele se levantou, e, mais uma vez obsequioso, a ajudou com a bandeja de chá. Sentindo-se mais solta, ela o servia, enquanto ele, impreciso, acomodava o chapéu para poder receber a xícara de chá.
Atravessavam a tarde entre risos e ensaios. Amavelmente eles se olhavam, e a vida não era mais oca, o mundo não os feria mais. Tudo que se estendia lá fora se precipitava sem minúcias e o tempo era impessoal, mas veloz. Entre o silêncio e as palavras um pensamento indeciso os machucava, forçando-os a visualizarem um futuro. Então, ele, com o ar humilde, a encarou, e ela, com os olhos em órbitas, se precipitava na ansiedade. Ele discorreu um assunto e ela, depois de um devaneio calculado, assentiu com a cabeça. Ele sorriu, estendendo a mão para ela, como se dissesse para caminharem juntos. Ela acatou o gesto, e as mãos nunca mais se desgrudaram naquela tarde...
Os minutos passavam. Tudo lá fora era silêncio e ele segurava o desassossego quando olhava para as luzes enfraquecidas de mercúrio, a névoa insana que cobria a cidade. Ele queria gritar, chorar, mas não conseguia – aprendera a sorrir mesmo sem vontade. Naquele instante ele pensava num ombro, num afagar de mãos nos cabelos, num colo onde pudesse deitar e se sentir abrigado; não queria compartilhar sentimentos, nem se desgastar com palavras ocas e com atitudes piegas; apenas sentir as mãos, a presença de alguém sem que este o ajudasse a buscar qualquer entendimento. No contraponto exato de tudo que o assolava estava os fantasmas do passado, a incerteza do futuro, a imobilidade do presente. Não havia em sua mente os planos de horas atrás - a ponte e o farol haviam desaparecidos – restando apenas um leve dever em segui-lo. Acendeu todas as luzes, ligou o rádio, e tentou ensaiar alguns passos. Depois de pequenos ensaios, acabou desistindo de tudo, e voltou à janela para sentir o silêncio lá fora – o silêncio que fazia dentro de si.
Após um pequeno cochilo da memória, ele mergulhou o olhar na penumbra fria da tarde, ouvindo o burburinho desprezível das ruas, e não ousou sair, nem quis a luz do dia, nem contemplar a natureza e muito menos desejar famílias felizes passeando na praça; apenas quis olhar os canteiros, as nuvens e nelas encontrar o rosto desenhado de Esther.
As folhas caíam das árvores, cortando o ar, leves e ociosas, e quando chegavam ao chão, constatavam que o sol alcançara o equinócio de março. Naquele instante não havia mais nada dentro de si, restando-lhe apenas contemplar o ocaso do entardecer.
Era outono nas araucárias...
Luiz Henrique Ribeiro da Fonseca
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